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Deitado na rede, fixada na varanda, do rancho velho de pescarias, eu matutava, naquela manhã ensolarada de sábado, que: "apesar da empresa afirmar ter ampla oferta de benefícios aos clientes, suas limitações eram gritantes. Os fantasmas das 104 mortes, provocadas pelo enfermeiro, sócio tácito do pool das funerárias, rondavam insidiosos, a instituição".
No rancho, onde nos finais de semana, eu recebia os amigos, a sombra, água fresca, música boa, comida farta e saborosa, bem como o descompromisso com a seriedade, eram os elementos dominantes. No fogão velho encostado na parede sombria, Dentola cozinhava em fogo brando, naquele instante, o arroz e feijão; os peixes eram limpos, lá na beira do rio, pelo encarregado da tarefa.
Eu me achava tranquilo. Mas minha vida não tinha sido fácil até alguns anos antes. Acordava cedo e trabalhava muito; engolia sapos terríveis dos chefes pernósticos e inclementes; mal-e-mal conseguia pagar as contas de água e luz.
Essa fase, porém, foi substituída, por diversa, mais próspera e promitente. Eu comprara uma casa no valor de R$ 500.000,00 entranhada num condomínio restrito.
Apesar de ela situar-se noutro município, era mansão e tinha sete quartos. As más línguas, como sempre, não tardaram em asseverar que era a "Mansão das Sete Mulheres", numa alusão travessa, às minhas namoradas eventuais. Comprei também três carros bons e deixei definitivamente a dependência dos ônibus e seus horários.
O fato causador dessa mudança, verdadeira ascensão social, foi a minha elevação, de reles funcionário, simples e obsequioso, oriundo da mundiça catinguenta, à categoria de Comandante em Chefe do Departamento Comissional do honorável Sindicato Motorístico da Metrópole.
Mas você, meu astuto e criterioso leitor, sabe como é a inveja: basta verem que "neguinho ta subindo na vida" pra logo inventarem um monte de besteiras irrazoáveis. No meu caso disseram, aos quatro ventos, que as propriedades que possuo são incompatíveis com os meus vencimentos. Ora, veja!
E depois tem mais: não considero, e nem mesmo nunca considerei, as ajudas de custo que variavam entre R$2.600,00 a R$6.500,00 propinas tipo fecha beiço. Os tais teclados pérfidos eram terríveis; ainda mais quando afirmavam ser nossa diretoria seleta, subserviente à classe patronal. Eu pensava: "Eles mentem. O inimigo trama. Mas mesmo que ele trame tanto, que torne minha vida ao inferno, eu lutarei em defesa das minhas propriedades genuínas. Eles nunca provarão serem elas frutos das peitas malignas. Essa onda de maranhão só pode ser coisa de quem tem berebas no cérebro; de malucos".
Portanto afastei, naquele momento, os tais pensamentos ruins e voltei minha atenção para a beleza vitaminada que preenchia o minúsculo biquíni harmonioso estendido ali, sob o sol, no gramado circundante. Aqueles lábios carnudos, cabelos longos, densos e louros; olhos azuis e a peitama abundante, eram sim motivos bons e reais pra concentração prazerosa. Ela detinha nos dedos finos, da mão esquerda, uma tampinha vermelha com a qual brincava lascivamente.
Dentola que não me visse; mas ela emitia olhares furtivos, por sobre os óculos de sol, mordia o lábio inferior, premendo as coxas. Ela queria; precisava.
Olhei pela janela envidraçada e o mocorongo continuava nos afazeres do fogão. Gritei então pra que ele ouvisse: - Dentola! Nós vamos apanhar laranjas.
Com um gesto sutil de cabeça pedi pra que ela me acompanhasse. Cúmplices, tensos e vibrantes nos embrenhamos no meio da mataria. Isso sim é que era um vidão.
09/05/2003.
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