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O Kadaffi Tupinambiquense

por Fernando Zocca, em 29.08.11

 

             Tupinambicas das Linhas não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.

             Da mesma forma que o ditador líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar Tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.

             Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que vestindo bombacha, chapéu de abas largas, bota de cano longo, camisa azul pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declarando:

             - Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhano, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:

             - Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.

             - Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu. – respondeu Omar Dadde, olhando irônico para o Maçarico.

             E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:

             - Que mané chato, mano? Parece que não me conhece.

             Gelino Embrulhano respondendo a pergunta defendeu-se:

             - Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola; qual é a tua parceiro?

             - O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Omar Dadde. A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.

             - A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interviu Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.

             - Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 horas da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.

             - O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.

             - Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.

             - Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.

             - Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação disse Fuinho. Ô Sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Omar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.

             - Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.

             A partir daquele momento Maçarico teve a certeza de que o bar e a sua própria integridade física, estariam assegurados. 

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publicado às 14:22

O Ensaio

por Fernando Zocca, em 29.08.11

 

 

            Naquele sábado de manhã Célio Justinho levantou-se com uma ressaca terrível. Ele, Adam Olly, o doutor Silly Kone e Edgar Sá, passaram mais de três horas bebendo o que conseguiram no bar do Bafão.

             Aos mal-estares da bebedeira, somavam-se a preocupação de Célio com o ensaio que ele e os integrantes da Bandadubo, fariam naquela tarde, no quintal da casa.

             - Luísa Fernanda! – gritou Célio assim que entrou no banheiro, vindo do quarto abafado – Onde está criatura, o sabonete dessa joça?

             Luisa Fernanda, na sala, falava ao telefone com a vovó Bim Latem, que a convidava para uma reunião a ser feita na segunda-feira à noite.

             - Olha, não sei – dizia Luisa Fernanda ao telefone.

             - Como não sabe criatura? Eu não mandei você comprar um novo lá no boteco ontem? – esbravejou Justinho, ainda cambaleante, no banheiro.

             - A senhora sabe muito bem que no banco o pessoal pega no meu pé, não é? E tudo por causa daquela oficina de um ano, que tive de fazer depois que a diretoria trocou as guias amarelas pelas verdes. Lembra-se daquela papelada que eu carimbava todos os dias? Então...

            - Mas que mané papelada Luísa? Deixa de ser burra. Eu quero um sabonete! – esgoelava Célio Justinho.

             A cachorra Poodle Magna que, deitada ao sol na borda da piscina, ao ouvir os gritos ressoantes pela casa, iniciou uma caçada às pulgas que mantinha no cangote. Usando a pata traseira direita ela coçava-se com sofreguidão.

             Ao perceber que não seria atendido, Célio resolveu ele mesmo procurar pelo objeto que precisava. Saiu e, abrindo com vigor maior do que o usual, a porta da despensa, apanhou o sabonete.

             Caminhando de volta, resmungando desaforos, ele quase caiu ao tropeçar no tapete fixado defronte a porta do banheiro.

             Por volta das 16 horas o pessoal da Bandadubo começou a chegar. Não vinham todos juntos, mas aqueles que aportavam primeiro paravam seus carros na frente da casa da Luisa Fernanda; meia hora depois havia oito veículos estacionados naquele trecho do quarteirão.

             Ao vozerio e aos ruídos dos instrumentos sendo instalados ao lado da piscina, se juntavam os latidos estridentes da Magna, agora completamente enlouquecida com a perda do sossego.

             Célio mandou vir cerveja e uma garrafa de pinga que deixou na mesa estrategicamente resguardada dos raios solares.

             Na bateria acomodou-se Silly Kone que, com toques ligeiros, testava o som das caixas. No baixo, Pery Kitto fazia vibrar as cordas grossas usando o indicador e o médio da mão direita.

             Na guitarra Billy Rubina que estreava uma palheta nova, para tanger as cordas de aço, disfarçadamente tentava também afastar Magna, que rosnando, buscava o pé direito do músico.

             No vocal, testando o microfone, estava Van Grogue, o biriteiro mais querido de Tupinambicas das Linhas.

             - Testando... 1,2. Teste. 1,2. Som... Som. 1, 2. Som... Som. Alô. Som. 1,2. Som – dizia Van de Oliveira, com a voz monocórdica, ao microfone encostado no queixo, logo abaixo do lábio inferior.

             Depois de longos e terríveis cinco minutos de teste do microfone Luísa Fernanda, completamente descabelada, adentrou o local onde se dava a reunião e disse:

             _ Mas que puta que o pariu é essa? Tenha a santa paciência Van! Pelo amor da sua pinga. Você está querendo torturar a vizinhança? Não é possível! Veja que nem pardal fica perto dessa zoeira. Para com isso porra!

             Sentindo-se vexado pela reprimenda que a mulher fazia ao companheiro, Célio Justinho tentou esfriar os ânimos da nervosa Luisa:

             - Calma, bem. Isso é praxe. Você sabe que os músicos têm esse hábito de testar os microfones. Nada mais que isso.

             - Pô! Mas o cara já bateu com os dedos na coisa, já assoprou, contou até dois, disse “trocentos” som e ainda fica nessa? Qual é Van? Está tirando com a minha cara? – gritou Luiza com o rosto todo avermelhado pela ira.

             As pessoas do quarteirão e os parentes mais próximos já sabiam que Luísa tinha mesmo esses rompantes irracionais. Alguns afirmavam que quando ela não tinha ninguém pra descarregar a raiva, acalmava-se varrendo as calçadas do quarteirão todo com a sua vassoura especial.

              Demonstrando certa insensibilidade às críticas lançadas Van continuou o teste:

             - Som... Som... Som. Teste, 1,2, som. Som. Som, testando. Som.

              Tomada por um acesso avassalador de histeria Luisa saiu do quintal arrastando tudo o que havia na sua frente. Algumas caixas de cerveja empilhadas ao lado da porta de correr, que separava o quintal e a cozinha da casa, ao receberem o choque causado pelo encontrão da “Irene Tupinambiquence”, começou a desabar. Magna estava embaixo.

             Tomado por aquele seu instinto de goleiro, Van largando o microfone, deu um salto magistral fazendo uma espécie de ponte superfaturada, com a qual desviou o caixote que esboroaria o cocuruto da cadela.

             Luisa Fernanda percebendo o gesto heroico do biriteiro desmanchou-se em salamaleques de profundo respeito.

             - Van, me desculpa. Você é meu herói. – disse Luisa choramingando ao ir para a cozinha com a cachorra no colo.  

               

              Leia também O Kadafi Tupinambiquense.

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publicado às 12:58






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