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Bar e bicho

por Fernando Zocca, em 26.08.14

Não há nada mais eficiente, para a redução do  peso corporal, do que a prática do ciclismo.  

 

 

 

 

Você sabe amigo leitor que eu adoro pedalar, andar de bicicleta. E esse prazer eu cultivo desde o princípio dos anos 60 quando ganhei, de presente, da minha tia, uma bike Fides preta.

Não tinha os recursos da troca de marchas como as magrelas de hoje; o freio era no pé, ou seja, o ciclista tinha de acionar para trás o pedal pra parar. Ela tinha bagageiro e para-lamas.

Na minha opinião não há nada mais eficiente, para a redução do  peso corporal, do que a prática do ciclismo. 

Mas circular pela cidade, em meio ao trânsito, é muito perigoso. É por isso que eu prefiro sair bem cedo quando ainda não há movimento nas ruas.

Numa dessas ocasiões, fazendo um circuito usual, que dura no mínimo, uma hora e meia, estando eu num bairro distante, logo depois de uma curva, quando encararia uma subida imensa, saiu a corrente das engrenagens do pedal.

Desci da magrela, curvei-me para alcançar o dispositivo e quando já acertava os encaixes, ouvi uma voz que vinha das sombras de um ponto de ônibus.

- Eu também tinha uma dessas daí. Faz tempo. Mas é jóia isso.

Eu olhei para o local donde vinham aquelas observações e vi que se tratava de um homem sentado no banco do ponto; ele estava encolhido, barbado, vestia blusa surrada, cabelos desgrenhados e mantinha uma mochila no chão, entre os pés.

Eu me aproximei e o homem continuou:

- Eu ganhei uma igual a essa do meu pai. Coitado. Ele era alcoólatra, trabalhava na rádio; por sinal era um excelente radialista, mas tinha o vício que o maltratava muito. Ele conhecia alguns donos de bar que eram bicheiros. Você sabe o que é bicheiro, né? Não é o cara que cuida de cachorros, pavões, coelhos e gatos.

- É, eu sei. Esse é o veterinário - respondi-lhe interessado na história.

- Então... Meu pai, por intermédio de um desses profissionais dos números, conheceu um professor, aliás, professor não, era aluno de uma escola, que resolveu dar aulas, formando assim uma espécie de cursinho preparatório. Meu irmão frequentou esse curso e entrou na faculdade. Ele se formou e hoje é vereador. Você acredita?

- É claro que acredito - concordei achando estranho, no entanto, testemunhar a existência e a presença de um parente de alguém supostamente bem de vida, num estado lamentável de penúria. 

- É por isso que eu pinto - disse repentinamente o homem.

- Como assim. Você pinta? Você é pintor? - quis eu saber.

- Sou sim. Pintava paredes. Mas depois passei a pintar quadros. Era tudo meio abstrato. Manja essa história de abstrato? Então. Fiz exposição até no Rio de Janeiro, mas nem assim consegui arrumar casamento. Montei um ateliê num bairro aqui perto, mas a vizinhança não entendeu o espírito da coisa. Havia perturbadores que pichavam os carros das minhas alunas, que estacionavam no local. Pichavam as paredes. Era um inferno. Mas depois abandonei tudo. Fui-me embora pra Saltinho, Rio das Pedras. Só agora estou voltando. Meu irmão é candidato a deputado estadual. Você o conhece?

Tendo eu já colocado a corrente na engrenagem, e tentando limpar a graxa das mãos, disse ao meu interlocutor que já tinha candidato para presidente, deputados e tudo o mais.

- É. Mas toma cuidado com o que você escolhe. A mistura de jogo do bicho com política geralmente não dá coisa boa.

Concordando plenamente com o misterioso cidadão, montei na bike, e fui-me embora pedalando.     

 

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publicado às 11:35






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