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Bafão abriu o boteco logo depois das oito horas, naquela manhã de sexta-feira. Ele pensara em chegar mais cedo para preparar o ambiente que receberia o pessoal do carteado logo mais a noite.
Ele varreu o chão, lavou os copos, enxaguou o banheiro, lustrou o tampo do balcão e, tomando os envelopes, que vieram na tarde do dia anterior, trazidos pelo carteiro, passou a abri-los um por um.
Eram cobranças de bancos, da empresa de telefonia, da companhia de luz, do serviço municipal de água, e panfletos publicitários das mais variadas formas.
Enquanto Bafão lidava com os papéis um dos cachorrinhos pretos da vizinha entrou no bar e, farejando pelos cantos, estancou perto do lugar onde permanecia o proprietário, levantou então a perna traseira direita, soltando em seguida, o esguicho determinador do local por onde passara.
Bafão já pensara em queixar-se com a proprietária sobre aquele bichinho que vadiava o dia todo pelas ruas do quarteirão. Mas como conhecia bem o temperamento melindroso da moradora, para não agitá-la, resolveu escrever-lhe uma carta.
Pegando um lápis pôs-se a rascunhar um desabafo contra a falta de cuidados e atenção daquela velha senhora tristemente barriguda, de calcanhares rachados, dona de um cachorro enxerido.
Depois Bafão, naquele armário antigo, de portas envidraçadas, onde expunha os sabonetes, as pastas dentifrícias, as linhas, as agulhas, os cadernos, os lápis e canetas, capturou um envelope.
Com uma lambida, na cola seca, da borda da aba da sobrecarta, ele fechou lá dentro a missiva.
Da gaveta do balcão ele tirou um selo, dando-lhe a lambidela umidificadora que possibilitou a fixação da estampa fina no envoltório tosco.
Irrompendo bar adentro uma garotinha, de cabelos curtos, castanhos e lisos, pediu um sorvete de chocolate, que imediatamente depois de ter a sua embalagem rasgada, foi levado à boca com avidez.
- Minha mãe mandou marcar na conta dela. – disse a menina ante o olhar atônito do Bafão.
- Ô mocinha, faça-me um favor. Quando passar por aquela caixa dos correios, ali perto daquele poste, coloque lá essa cartinha. - pediu Bafão para a freguesa que saia.
- É para o papai Noel? – quis saber a pequena lambendo ostensivamente a guloseima.
- Não é não. É para uma amiga dele. – respondeu o comerciante.
A jovenzinha saiu deixando o homem a sós, com a papelada dos credores.
Bafão olhou-se no espelho pequeno, de moldura laranja, e achou que já estava no tempo de cortar os cabelos.
Pensando em despreocupar-se ele então abriu uma garrafa de licor de jabuticaba, servindo-se com prazer num pequeno copo.
- Ah, os licores!!! Mas que delícia...
Quando o homem se preparava para ligar ao fornecedor das bebidas, a fim de reforçar o estoque de cervejas geladas, que serviria ao pessoal do carteado, ele notou que uma jovem magricela, de estatura pequena, com os cabelos pretos, presos em um rabo de cavalo, vestindo um short marrom e camiseta regata verde, parou defronte a porta do boteco.
Com a cabeça baixa, e de frente para o comerciante, a mulher fez com a mão direita, alguns gestos que lembravam as lambidas de uma girolanda imensa.
Bafão que pensava já ter visto tudo o que de mais bizarro podiam apresentar algumas almas atormentadas daquela rua, não esperava por mais aquela demonstração de menosprezo.
Ele recordou-se que quando chegava ao bar pela manhã e saia à tardezinha, sempre havia alguém da vizinhança fazendo-se notar.
- Fazer o quê? – inquiriu ele, meneando a cabeça. – Temos de ter paciência. Muita paciência.
Mudando de assunto:
Relembre Ângela Maria cantando “Mentindo”.
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