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Canções de Amor

por Fernando Zocca, em 20.02.15

 

 

Ela queria um namorado só pra chamar de corno. Na verdade e no fundo, bem no fundo, ela repetia a história da própria mãe que, por apanhar quase todos os dias do marido bêbado, vingava-se dele enfeitando-lhe a cabeça com enormes chifres vistosos.
Ele, por sua vez, depois de anos de casado, não via mais na mulher, os atrativos iniciadores da saciação daquela torturante paixão carnal.
Eles passaram a se encontrar às escondidas; o assunto ficou tão sério que tempos depois resolveram alugar uma casa só deles, longe e protegida dos mexericos da vizinhança enxerida.
Todos os dias ele saia bem cedo dizendo que ia trabalhar, mas antes de chegar à loja, onde vendia peças para motores de automóvel, passava na casa da musa satisfatória dos tais clamores libidinais.
O camarada tinha de se desdobrar, ganhar dinheiro como nunca fizera antes, pra pagar as prestações do magazine onde comprara TV, geladeira, móveis de quarto, de cozinha e uma infinidade de pequenos bens componentes do seu antro de amor.
A matriz, esposa primeira e original, coitada, nem desconfiava que seu velhote se pirulitava saltitante, todas as manhãs para o lar da paixão, antes de pegar pesado no batente diário.
O vigor físico dava ao amante o destaque buscado pela mulher jovem que, esperando-o sempre, obtinha nos momentos do amor, a saciação daquela luxúria incontida.
Mas você sabe que a vida a dois não é feita só de flores e perfumes. Os momentos de tensão, tristeza, também fazem parte.
E foi num período desses, de rusgas, ressentimentos, que ela, a que maltratava, a princípio, só mentalmente aquela sua fonte primeira de satisfação, passou a diluir suas frustrações nos aconchegos com o síndico do prédio vizinho.
Você sabe também que quando isso acontece, pode-se ouvir o burburinho incessante da torcida fofoqueira ligada nos fatos.
O nosso velhote pampeiro, ficou muito bravo. Afinal, onde já se viu alguém fazer desfeitas tão grandes, depois de obter carinhos e uma casa toda mobiliada com objetos ainda nem pagos totalmente?
É claro que a esposa verdadeira desconfiava, há muito do marido, cujo comportamento estranho, só podia indicar mal feitos amorosos ocultos.
Um dia, depois de sair da loja onde não vendera quase nada, o amante traído, tendo comprado antes uma faca enorme, usada em churrascos, foi à casa que ele considerava mais sua do que de qualquer outra pessoa.
Mal recebido pela amante que nem lhe abriu totalmente a porta da rua, ele com um chute forte entrou e, sem dizer qualquer palavra desferiu um golpe violento atingindo-a na virilha.
Preso, julgado, condenado por homicídio e ainda cumprindo pena no presídio recém-inaugurado na cidade, ele soube que a mulher primeira, esposa original, verdadeira, solicitou o divórcio.
Depois de cumprida parte da pena o amante, já desfigurado pelo sofrimento e a velhice, não tinha outro lugar para morar que não fosse a rua.
Então quem passasse pela região central da cidade, perto da Igreja matriz, da livraria famosa, podia ver, numa espécie de cabana de papelão, o indigente que, ao puxar sua carroça de lixo reciclável, fazia os circundantes ouvirem, do rádio que trazia, as chorosas canções de amor.

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publicado às 15:18