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Caravelas

por Fernando Zocca, em 03.01.15

 

 

 

 

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- Van, meu lindinho, cabecinha chata, embarangado, pelancoso e arruinado bêbado, diga-me, aqui e agora, nesta mesa do bar do Bafão: é verdade que você tinha um gatinho que se chamava Noé? - perguntou Luísa Fernanda.

- Sim. É verdade. Noé não me dava sossego. Era sempre assim: Noé mia de manhã, Noé mia de tarde, Noé Mia à noite. Noé mia no quarto, Noé mia na cozinha, Noé mia no banheiro, Noé mia no quintal. Era uma chateação danada - respondeu o ébrio com voz anasalada.

- Por que, meu amado mestre etílico, você deu ao seu gato esse nome: Noé? - quis saber a companheira.

- Ora porque... Noé tinha um barco que se chamava arca, arco... Sei lá... Dentro dele - do barco - Noé fez entrar uma porção de bichos. Tinha mais animal dentro do navio do que fora dele.

- Mas de que jeito era esse barco? Parecia caravela? Sabe aqueles navios grandes do tipo da Santa Maria, Pinta e Nina usados pelo Cris?

- Que mané Cris? 

- O Cristóvão Colombo, ora bolas - concluiu Luisa Fernanda.

- Ah, não sei. Só sei que tinha mais bicho do que gente lá dentro, inclusive gatos - afirmou Van Grogue.

- Mas na arca do Noé tinha velas? - quis saber Luisa.

- Acho que não. 

- Nas caravelas tinha um monte de velas. E pra segurar aquelas armações todas, veja só que trabalho, tinha muitas cordas, fios e cabos. Você manja de cabos? - explicou Luisa. 

- Olha, Luisa, cabo bom pra mim é cabo de caneca de chope. No mais não sei do que se trata - respondeu Van.

- Tanto a tal de arca, quanto as caravelas eram feitas com madeira, paus, tábuas - ensinou Luísa.

- Sim, mas e eu com isso? - Van queria um sentido para aquilo tudo. 

- Ora, nas cordas, nos fios das velas, pousavam pássaros, passarinhos. E veja só que perigo: se naqueles mastros enormes pousassem pica-paus e começassem a bicá-los, logo não haveria mais barco nenhum. Morou? - Luisa explicava bem as charadas. Era preciso espantar ou prender os passarinhos.

- Ah, sei... - murmurou o desanimado Grogue.

- E tem mais, viu? Naquelas embarcações havia lugar até para alguns artistas que pintavam telas lindas, memoráveis, eternas. 

- Sério? - Van estava curioso.

- É claro, meu burocrático lindinho. Então você não sabia que em determinados navios havia algumas pequenas hortas cuidadas por especialistas agronômicos?

- Sabia disso, não. Pra mim é novidade - duvidou Van.

- É meu amigo. O bagulho era complicado. Tinha até briga em que se disputava o comando da embarcação. Quando mais cruel fosse o capitão, melhor seria.

Van bebeu um gole de cerveja e perguntou:

- É verdade que eles levavam os barcos nos trens?

- Ah, sim. As parcerias eram comuns. Os barquinhos iam e vinham nas carrocerias dos caminhões. 

- Me disseram que nas cavernas das embarcações, às vezes, haviam morcegos. Será verdade? - quis saber o curioso Grogue.

- Não dá pra duvidar. Dizem que O Cavaleiro das Trevas... Conhece? Era um morcegão invocado que vivia com a vara na mão passeando de bote, prá lá e prá cá.  Ele cavocava o chão com uma enxada buscando minhocas. Ele queria pescar lambaris, cascudos, mandis e outros peixes. Mas quando pegava uma piranha ele ficava temeroso. Ele achava que piranha boa era piranha frita. Para a manutenção e fabricação dos botes, os fabricantes recorriam aos marceneiros que trabalhavam, inclusive, nas fábricas de urnas. Manja urna mortuária?

- Sem chance de prosseguir com essa conversa, minha nobre e querida Luisa Fernanda. Paro por aqui - disse Grogue com firmeza colocando o copo na mesa. 

- Ah, mas eu não te contei e, é claro que você não sabe, - continuou Luísa - que na fabricação das caravelas tinha até pedreiro que dava uma força, de vez em quando, pros caras? 

- Bafão, manda a conta - finalizou Van Grogue levantando-se e sacando a carteira, recheada com notas graúdas, do bolso traseiro. 

 

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publicado às 16:42

A galera internacional

por Fernando Zocca, em 30.11.14

 

 

Algumas observações sociológicas nos dão conta de que a era industrial, iniciada por volta de 1750, chega finalmente ao fim.

Nesse espaço de tempo - entre a metade do século 18 até o advento da Internet - quem não tivesse uma colocaçãozinha produtiva que fosse, numa fábrica qualquer, era logo diagnosticado como deficiente. 

E se antes o trabalhador braçal julgava ser vagabundo o servidor sedentário, hoje em dia, com o desenvolvimento dos equipamentos substituidores da força muscular, - as colheitadeiras de cana, por exemplo - ele pode falar o mesmo de si próprio. 

Sabe-se que até nos casos em que a morfologia não favoreceu plenamente os componentes do grupo turbulento, na grande maioria das situações de conflito, pode haver a acomodação, com a aplicação das penalidades legais.

Considero, no presente momento, os maiores vilões da paz social, a ausência da educação, da cortesia, da solidariedade, agravados com o analfabetismo, uso abusivo do álcool, drogas e tabaco.

Esses elementos, mais a omissão das autoridades, são os ingredientes do desassossego de uma rua, de um quarteirão, de um bairro inteiro.

Não é possível manter a opinião "os incomodados que se retirem", quando a efervescência antissocial é produzida contra as leis. 

Como pode a sâ consciência de um deputado federal, de uma "dirigente espiritual", e outras mentalidades legislativas/executivas municipais, fazerem crer que todos os que se incomodam - por exemplo - com os ensaios de uma banda se mudem do local, mesmo sabendo que o tal grupo invade as madrugadas, espargindo o pandemônio, confrontando a legislação existente? 

É claro que o conflito não terminaria bem para os que, afrontando as disposições legais antes aceitas, renega-as no momento considerado oportuno, em benefício próprio e em detrimento dos outros. 

O suprassumo da incoerência, do contraditório, da injustiça dos dois pesos e das duas medidas, não podem nunca sobrepor-se sob pena do arrepio geral da galera internacional atenta.

Mesmo por serem os turbulentos, infratores do sossego público, tidos como carecedores dos bons substratos fisiológico/morfológico, bases da boa saúde mental, não haveria ausência da compreensão do que seria certo ou errado, razão pela qual a impunidade serviria como estimuladora de mais e mais distúrbios. 

Como progridem as personalidades se não recebem, plenamente, o que lhes proporcionam as suas más obras?

A alegação do desconhecimento da lei não exime os infratores das penas a eles cominadas. 

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publicado às 16:52

Aquele senhor chatíssimo

por Fernando Zocca, em 22.10.13

Imagine estar você, meu querido leitor, numa sala de aulas assistindo o seu professor, compenetradíssimo, ministrando aquela aula de suma importância, quando de repente, não mais que de rrepente, o vê ser interrompido brusca e assustadoramente pelo bedel afoito.

Se a aula fosse transmitida pela rádio ou TV a descontinuação grosseira, daquele tipo de quem joga um balde de água fria, causaria tanto espanto, nos milhares de telespectadores, que os motivos que a produziram seriam considerados bem mesquinhos.
 
A situação seria semelhante à daquele catedrático que na pós-graduação, ao passar o conhecimento para a classe atenta, é interrompido pelo bedel que avisa, batendo na porta, que já  terminou o tempo da primeira aula.

Mais estranhesa ainda provocaria aquele senhor chatíssimo se, em ato contínuo, avisasse que começaria a segunda aula e que todos poderiam novamente ficar à vontade.

Então você, meu arguto e inteligente leitor perguntaria: "Mas o que é mais importante para todos, em geral, a transmissão da mensagem do professor ou a ciência do burocrático encerramento da primeira e o inicio da segunda aula"?

Ora, faça-nos um favor.
 
Este fato, que já faz parte do festival de besterias, com o devido respeito, atravanca e atrasa indiscutivelmente o progresso da cidade inteira.

Piracicaba já foi considerada a Atenas Paulista. Mas a idiossincrasia de algumas pessoas acumuladoras de poder tem baixado as discussões ao nível tão primário que qualquer sinal de utilização do conhecimento universitário provoca alaridos e rumores.

E o pior não é isso. O pior é que a tentativa de igualar por baixo, esse tal de nível, é tão evidente que causa estranheza a falta de reação daqueles que a poderiam ter.

Há características da ditadura no legislativo piracicabano. Uma delas é a perene ocupação do poder por uma e invariável só pessoa.

A outra é a inabilidade para a troca saudável de idéias. O que emerge de algumas sessões camarárias são os resquícios do  mandonismo, muito próprio do coronelismo do sertão mineiro, da linha dura, utilizada pelos militares, naquela fase terrível iniciada em 64.
 
Há quem afirme que se houver o predomínio da filosofia desse senhor chatovski por mais alguns anos a razão da Universidade Metodista de Piracicaba deixará de existir.

O tempo passou. Ditadura só em Cuba, na Coréia do Norte, na China e na Síria.
 
Ainda bem que o nosso Bashar al-Assad caipira não usa mais o seu equipamento químico. 

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publicado às 17:10