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A Luz do Mundo

por Fernando Zocca, em 02.06.14

 

 

kol da Mumunha já bastante embriagado, perguntou ao Donizete Pimenta, que saía do banheiro, do boteco do Bafão, -  naquela tarde de segunda-feira - depois da ingesta da terceira cerveja, conhecida por suas tampinhas enferrujadas:

 

- É verdade que o seu aviãozinho já não sobe mais?

 

- Subir, ele sobe, mas precisa de uma declaração de amor. Você me ama? - quis saber Donizete Pimenta. 

 

- Nem com toda a luz deste mundo - rebateu Kol da Mumunha.

 

Enquanto isso, Fuinho Bigodudo, o presidente da Câmara Municipal de Tupinambicas das Linhas, inconformado com o nível cultural dos vereadores da cidade, caminhava preocupado, pelos corredores da casa, perguntando quantos dólares - hoje em dia - seriam necessários para a compra da vaga de vereador nas próximas eleições.

 

- Nestas alturas do campeonato, depois de 6 legislaturas seguidas não sei se continuo ou não. O pessoal se queixa da minha permanência por tanto tempo nesta casa. Mas o que é que vou fazer? O nível está tão baixo que o resultado não pode favorecer a ninguém que não seja a mim mesmo. Por cansaço - e mesmo se não puder concorrer novamente - penso em fazer uma espécie de madureza para os novatos. As dúvidas são muitas -  murmurava o edil preocupado.

 

No bar do Bafão, Van Grogue era mais um que não se conformava com a reeleição seguida, dos elementos medíocres da cidade, para o exercício dos papéis de vereador.

 

- Não esquente a cabeça e nem se preocupe com isso. Não é o nível cultural que elege ou deixa de eleger um cidadão. Ele pode ser o mais idiota da comunidade, mas se puder pagar, ou tiver quem pague, a contagem dos votos dele, no dia das apurações, ele estará eleito - respondeu Kol da Mumunha ajeitando a braguilha. Tudo é corrupção: desde a violação de cartas nos correios, e-mails, ou contagem de votos.  Quem tem o dinheiro paga o preço obtendo as vantagens.

 

- Sim, mas como conseguir tanto grana se nem emprego a gente tem? - questionou Van de Oliveira.

 

- É questão do capital inicial. Dois ou três assaltos bem sucedidos, a bancos, podem lhe render o necessário para a aquisição daquela vagazinha esperta, nas tetas públicas, que lhe garantirá bons anos de vida mansa.

 

- Os caras não querem nem saber se o dinheiro vem de assaltos, tráfico de drogas, de armas, fraudes nas licitações ou violação de correspondência. Uma coisa é certa: pagando o preço você terá o número de votos necessários para 4, 8, dezesseis ou mais anos da boa vida das sinecuras - asseverou Dina Mitt reforçando as palavras do Kol da Mumunha ao desalentado Van Grogue.

 

No gabinete do vereador Fuinho, Jarbas, o caquético testudo, depois de anunciado pela secretária, entrou esbaforido:

 

- A polícia federal quer saber sobre a licitação da ponte que fizemos e entregaremos agora neste ano de eleições. Tem um inquérito imenso que vai ser mandado ao ministério público.

 

- Não dá em nada. Todos têm um preço. De metrô, de trem, pontes ou viadutos, violação de correspondência, tudo pode se arranjar - garantiu o Fuinho calejado pelos anos de vida burocrática.

 

Enquanto os dirigentes da cidade confabulavam mais sobre seus interesses, do que os dos próprios eleitores, a conversa corria solta no bar do Bafão.

 

- Você acredita que os caras acham ruim quando a gente fala que eles são dispensáveis, ou que recebem muito dinheiro, pra não fazer nada em troca? - questionou Donizete Pimenta a Van Grogue, Dina Mitt, Kol da Mumunha e ao Bafão que lavava os copos.      

 

- Eles me perguntaram um dia, porque eu não me candidatava - contou Kol. 

 

- Você tem que ser bem lazarento. Com o devido respeito, é claro - emendou Van de Oliveira. 

 

- Nem tanto. Nem tanto - corrigiu Donizete - mas tem de ter certa maleabilidade com a corrupção alheia; é preciso vocação - ensinou. 

 

- Não acho errado o sujeito levar algum por fora quando isso não prejudica o povo - disse Dina Mitt.

 

- Pode até ser. Geralmente quase ninguém acha falta - reforçou Donizete Pimenta - Mas segundo eu soube o eterno vereador Fuinho Bigodudo voltará pra sua terra natal. Ele está com os bolsos cheios. 

 

- Vocês querem mesmo saber da verdade? Eu acho que o que falta é vergonha na cara dessa gente. Falta coragem pra enfrentar esses canalhas nas urnas - desafiou Van Grogue.

 

- Os caras compram, eles pagam preços altíssimos. Não tem como ganhar deles - garantiu Dina Mitt.

 

- Dizem que quem nasceu pra couve não chega nunca a sibipiruna - filosofou Bafão.

 

No gabinete Fuinho Bigodudo e Jarbas recebiam o deputado Tendes Trame que vinha falando sobre a tia Ambrosina.

 

Depois de muita lengalenga e combinados sobre os próximos lances do jogo que lhes mantinha o poder e a fortuna, os membros do grupo de senhores coronéis dominantes resolveram sair. 

 

A bordo do carro oficial, distinguido com as placas do poder legislativo e, dirigido pelo motorista oficial da casa, eles rumariam para a capital onde se encontrariam com o governador do Estado. 

 

Ao passarem defronte ao bar do Bafão, Tendes Trame, que seguia sentado no banco do carona, ao lado do motorista, pediu para que ele parasse. 

 

- Quero comprar um Holls Mentho Lyptus - afirmou o deputado com a voz suave, quase feminina.

 

No boteco a conversa prosseguia, mas o pessoal estranhou quando aquele carro preto, com placas oficiais, estacionou defronte ao estabelecimento. 

 

Tendes Trame assustou-se quando ao pisar na soleira do bar todos os que estavam presentes abandonaram rápidos, os locais em que se encontravam. 

 

- Estranho... - concluiu o deputado, enfiando a mão no bolso, fazendo em seguida o seu pedido

 

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publicado às 20:29

O Calendário

por Fernando Zocca, em 10.11.12

 

 

Van Grogue caminhava devagar, com a cabeça baixa, os braços imóveis, praticamente colados aos lados do corpo e, quando chegou defronte ao bar A Tijolada, depois de ter desviado de vários buracos, tropeçou num paralelepípedo deixado bem no meio da calçada.

Bafão, dentro do boteco, tendo passado o guardanapo sobre o tampo do balcão, tirou duma gaveta o calendário e, revendo as datas murmurava:

-         Natal... Carnaval...Humm... Feriado...Show da GaGa...

Van aproximou-se do proprietário do botequim mais famoso de Tupinambicas das Linhas e, com o dedo indicador da mão direita ereto, na altura da orelha, disse com voz desafinada:

-         Preciso fazer exercícios físicos!

Dina Mitt, Edbar Bante e Virgulão sentados á mesa do canto, longe da janela, riram muito, mas logo se assustaram com as expressões fisionômicas do Van que parecia sofrer um surto epiléptico. Ele passava as mãos com muita força sobre o rosto como se quisesse limpá-lo.

-         O que é isso Van? Vai morrer? Que ódio é esse? – perguntou Dina assustada.

-         Vai ter um troço? O que é que há colega? – exclamou Bante - levantando-se da cadeira indo na direção do companheiro.

Virgulão demonstrando bastante calma pegou, com extrema delicadeza, o seu copo e, fazendo pose, tranquilizou a moçada:

-         Nada! Pode parar! Isso é fita, encenação. Ele não pode ver um calendário que tem faniquitos. É frescura pura.

-         Delícia. – comentou aliviada a Dina, abocanhando em seguida, uma rodela de salame espetada num palito.

-         É verdade Van? Você não pode nem ouvir falar em calendário que fica derreado? – quis saber Edbar Bante. – Conta essa história pra gente.

Van fixou seus olhos nos do Bafão, e lhe fazendo um gesto que o induzia a servir-lhe a pinga, acompanhada daquela cerveja geladíssima, pôs-se a contar:

-         É o seguinte... Eu trabalhava na prefeitura naquele tempo e o caquético testudo não concedia aumento pros funcionários de jeito nenhum. Fazia uma ¨cara¨ que a gente estava necessitado; então eu e mais alguns colegas fundamos um sindicato guerreiro e por intermédio dele começamos a fazer pressão sobre o Jarbas. Chegou um momento em que o prefeito precisava do apoio do presidente da câmara municipal pra aprovar a lei que dava o nosso aumento e coisa e tal. Então o prefeito careca e magricelo nos mandou falar com o presidente do legislativo. Acontece que o Fuinho Bigodudo, afinadíssimo com a política do Jarbas, seu padrinho, não aceitava nem ao menos falar com a gente. Ele não respondia quando lhe dirigíamos a palavra, Bom... Começamos uma campanha de protestos exatamente no dia em que haveria a primeira sessão, depois da aprovação do aumento de 100% dos salários dos vereadores. Nosso grupo apitava, vaiava e exibia cartazes durante a sessão. Foi um bafafá do inferno. Bem... Chegou uma hora em que o Fuinho, bastante nervoso, mandou a tropa de choque dele sobre os manifestantes prendendo e arrebentando quase todo mundo. Os paus-mandados do Fuinho me levaram para o porão da Câmara Municipal e me amarraram numa cadeira. Puseram uma venda nos meus olhos, uma fita adesiva na minha boca, e me desceram o cacete, me bateram sem dó nem piedade. Eu imaginava que esse tipo de comportamento só existisse no tempo da ditadura militar. Mas não, os caras queriam acabar comigo. Depois de duas horas seguidas de maldades, os capangas tiraram a venda dos meus olhos e com um tapão no meu rosto disseram que o Fuinho viria falar comigo. Naquela altura do campeonato eu, que me cagara e mijara todo, já não tinha mais a noção de nada. Mas lá veio o feitor que se aproximava altivo, com aquela boquinha de chupar ovo, os passos lentos, firmes como se marchasse. Ele tinha os braços às costas e ao se achegar de mim abaixou seu rosto para bem perto do meu. Arreganhando os dentes, assim como um rottwailer faz ao rosnar diante duma presa ele me perguntou: ¨Então você quer aumento é?¨ O Fuinho caminhava em volta da cadeira onde eu estava amarrado e, batendo na coxa direita com um cilindro de papel, semelhante a esses que se faz com jornais, de momentos em momentos, parava na minha frente e me espancava no rosto com o rolo. Já pensou? Então depois de muito rodear e me bater ele parou. Abriu o cilindro de papel e disse: ¨Você consegue ver esse calendário? Olhe!¨ Com um gesto de cabeça eu disse que sim. Então ele continuou: ¨Janeiro... Fevereiro, Março...¨ Dizendo isso ele me bateu com mais força na cabeça. Então ele mandou que trouxessem uma garrafa de pinga. Abriram a minha boca e usando uma baioneta, que colocaram atravessada, na altura dos meus dentes do siso, mantiveram meus maxilares afastados. Foi quando então despejaram a pinga na minha goela. Depois daquilo eu só me recordo de ter acordado vários dias depois, no acostamento de uma estrada movimentadíssima. Eu estava um trapo. Quase tinha sido atropelado por aqueles carros, motos, ônibus e caminhões que passavam aceleradíssimos por mim. Quem me via pensava que eu fosse um morador de rua, um indigente.

-         Nossa Van... Ai que dó. Ai que pena. Coitadinho... Que loucura! – exclamou assustadíssima a Dina Mitt.

-         Pois é. Os caras quase me mataram. Depois me disseram que eu fiquei mais de 55 horas andando a esmo pela estrada. Dei 19 tropeções que me arrebentaram os sapatos. – confirmou Grogue.

-         Sim, mas vamos agora esquecer isso tudo e comemorar muito. Afinal meu querido Van de Oliveira você está vivo e saudável. – conclamou Bafão batendo palmas.

-         Pois foi isso mesmo o que aconteceu. Desconfio que os malucos querem que eu me mande de Tupinambicas das Linhas. Querem que eu vá embora da cidade. Mas não posso ir pra qualquer lugar onde não me tenham convidado. Ninguém em sã consciência deixa alguém entrar, onde quer que seja, se não tiver um convite. Não é?

-         É verdade Van. Não saia da cidade se não tiver um emprego certo e garantido. – disseram em uníssono os amigos que brindavam a decisão.



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Vereadores são barrados na porta da fábrica.

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publicado às 02:13

A lambida

por Fernando Zocca, em 18.12.11

 

        Bafão abriu o boteco logo depois das oito horas, naquela manhã de sexta-feira. Ele pensara em chegar mais cedo para preparar o ambiente que receberia o pessoal do carteado logo mais a noite.

       Ele varreu o chão, lavou os copos, enxaguou o banheiro, lustrou o tampo do balcão e, tomando os envelopes, que vieram na tarde do dia anterior, trazidos pelo carteiro, passou a abri-los um por um.

       Eram cobranças de bancos, da empresa de telefonia, da companhia de luz, do serviço municipal de água, e panfletos publicitários das mais variadas formas.

       Enquanto Bafão lidava com os papéis um dos cachorrinhos pretos da vizinha entrou no bar e, farejando pelos cantos, estancou perto do lugar onde permanecia o proprietário, levantou então a perna traseira direita, soltando em seguida, o esguicho determinador do local por onde passara.

       Bafão já pensara em queixar-se com a proprietária sobre aquele bichinho que vadiava o dia todo pelas ruas do quarteirão. Mas como conhecia bem o temperamento melindroso da moradora, para não agitá-la, resolveu escrever-lhe uma carta.

       Pegando um lápis pôs-se a rascunhar um desabafo contra a falta de cuidados e atenção daquela velha senhora tristemente barriguda, de calcanhares rachados, dona de um cachorro enxerido.

       Depois Bafão, naquele armário antigo, de portas envidraçadas, onde expunha os sabonetes, as pastas dentifrícias, as linhas, as agulhas, os cadernos, os lápis e canetas, capturou um envelope.

        Com uma lambida, na cola seca, da borda da aba da sobrecarta, ele fechou lá dentro a missiva.

       Da gaveta do balcão ele tirou um selo, dando-lhe a lambidela umidificadora que possibilitou a fixação da estampa fina no envoltório tosco.

       Irrompendo bar adentro uma garotinha, de cabelos curtos, castanhos e lisos, pediu um sorvete de chocolate, que imediatamente depois de ter a sua embalagem rasgada, foi levado à boca com avidez.

       - Minha mãe mandou marcar na conta dela. – disse a menina ante o olhar atônito do Bafão.

       - Ô mocinha, faça-me um favor. Quando passar por aquela caixa dos correios, ali perto daquele poste, coloque lá essa cartinha. - pediu Bafão para a freguesa que saia.

       - É para o papai Noel? – quis saber a pequena lambendo ostensivamente a guloseima.

       - Não é não. É para uma amiga dele. – respondeu o comerciante.

       A jovenzinha saiu deixando o homem a sós, com a papelada dos credores.

       Bafão olhou-se no espelho pequeno, de moldura laranja, e achou que já estava no tempo de cortar os cabelos.  

       Pensando em despreocupar-se ele então abriu uma garrafa de licor de jabuticaba, servindo-se com prazer num pequeno copo.

       - Ah, os licores!!! Mas que delícia...

       Quando o homem se preparava para ligar ao fornecedor das bebidas, a fim de reforçar o estoque de cervejas geladas, que serviria ao pessoal do carteado, ele notou que uma jovem magricela, de estatura pequena, com os cabelos pretos, presos em um rabo de cavalo, vestindo um short marrom e camiseta regata verde, parou defronte a porta do boteco.

       Com a cabeça baixa, e de frente para o comerciante, a mulher fez com a mão direita, alguns gestos que lembravam as lambidas de uma girolanda imensa.

       Bafão que pensava já ter visto tudo o que de mais bizarro podiam apresentar algumas almas atormentadas daquela rua, não esperava por mais aquela demonstração de menosprezo.

       Ele recordou-se que quando chegava ao bar pela manhã e saia à tardezinha, sempre havia alguém da vizinhança fazendo-se notar.

       - Fazer o quê? – inquiriu ele, meneando a cabeça. – Temos de ter paciência. Muita paciência.

 

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publicado às 12:21

O Primeiro Amor

por Fernando Zocca, em 15.12.11

 

         

Van Grogue trajando camiseta regata azul, short marrom e chinelos verdes, entrou no bar do Bafão naquela manhã de sábado, com a intenção de matar a sede e passar algumas horas agradáveis na companhia de gente boa.

       Já tinham chegado Gelino Embrulhano, Zé Cíliodemorais, Billy Rubina e Célio Justinho, que falavam sobre a possibilidade de ser o E.C. 7,5 de Novembro, o campeão do torneio estadual de futebol, que iniciaria em 2012.

       Grogue tinha passado a noite jogando cartas na casa de um vizinho do Fuinho Bigodudo e não podendo desviar eficientemente da mesa de bilhar, postada no centro do salão, deu uma topada no móvel que quase lhe arrancou a unha do artelho do pé direito.

       Gemendo e se contorcendo de dor, Van aproximou-se dos colegas que, boquiabertos com a cena, cessaram a conversa.

       - Pô Bafão, bem no meio da passagem você deixa esse trambolho? – indagou, choramingando, o Van de Oliveira.

       - Qual é? Está cego ou o quê? – respondeu indignado o dono do boteco.

       - Todo mundo desvia, só você não percebeu o tamanho da coisa. – comentou Célio Justinho.

       Billy Rubina pousando o copo de cerveja sobre o balcão abaixou-se observando mais de perto a região do choque. Depois comentou:

       - Não foi nada. Não arrancou a unha e nem fraturou o dedo. Mas você é burro mesmo hein, seu Van Grogue?

       - Que mané burro, mano? Não vi essa porcaria no meio do caminho. – defendeu-se Van.

       - Está bêbado? Já chegou encharcado pro expediente? - Quis saber o Zé Cíliodemorais.

       Sem dar atenção às reclamações Van Grogue, com um gesto, fez vir para si o costumeiro copo de cachaça e a cerveja bem gelada.

       Como se sentia entristecido, o pingueiro mais conhecido de Tupinambicas das Linhas desistiu de conversar com a galera, acomodando-se a uma mesa, num canto distante, perto da porta.

       O fluxo da conversa dos colegas voltara ao normal e Grogue então, tomado por uma espécie de transe, sentiu que imagens e sons fantasmagóricos envolviam-no distanciando-o do boteco.

       O menino, de mãos dadas com a mãe caminhava pela rua principal da cidade. Ele vestia uma camisa branca nova, seu short azul marinho tinha bolsos nas laterais e as sandálias de couro, com fivelas metálicas, proporcionavam-lhe prazer ao andar. Na lancheira, que trazia no ombro direito, havia uma garrafinha de leite com café e um filão recheado com queijo.  

Mãe e filho pararam defronte ao portão de ferro, cuja pintura cinzenta demonstrava desgaste. Ante o olhar espantado e curioso da criança, a mãe lhe sussurrou:

- É o jardim da infância. No ano que vem você vai para o curso primário.

Atendendo ao toque na campainha a mulher, de meia idade, cabelos esbranquiçados e um sorriso amistoso nos lábios, veio receber o seu mais novo educando.

O menino foi introduzido numa sala onde já estavam outras crianças sentadas em círculo, no chão. Elas usavam lápis de cera para produzir traços e formas coloridas nos papéis soltos, que depois de preenchidos, eram guardados nas pastas individuais.

O garotinho não trouxera nenhum material que possibilitasse sua atividade junto ao grupo. Entretanto a professora, buscando num armário distante, duas folhas de papel e alguns lápis, fez com que o recém-chegado se juntasse aos outros.

A tarde ia passando e o novato não podia esconder a atração que lhe provocava a menina rochonchuda, de cabelos castanhos lisos e longos, que mantinham no lado esquerdo, lá no alto, um lacinho branco de seda.

Por onde Ângela andasse Van de Oliveira ia atrás. E quando ela percebia que aquele chato se aproximava, logo demonstrava seu desprazer queixando-se com a professora.

Van pôde ouvir o comentário da mestra com uma assistente sua, sobre o comportamento do menino.

- Ele não fala muito. E veja que tenta se aproximar da garota.

- É, mas ela não quer nem saber... – respondeu a auxiliar.

Numa tarde, quando a professora estendia as esteiras num dos aposentos, onde as crianças repousariam, Grogue vendo que Ângela se acomodou numa delas, deitou-se na do lado.

O menino sentiu-se muito mal quando a amada, resmungando, se afastou dele.

Vexado ele não tinha forças nem pra se levantar.

- Acorda! Ô pingueiro do inferno! No chão do boteco é lugar pra dormir? – Era Bafão que, sacudindo o ombro direito do Van, tirava-o de um coma alcoólico.

    

 

 

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publicado às 10:51

O Embarque

por Fernando Zocca, em 18.05.10

 

                           - Gente, eu vi! Ela estava prestes a embarcar pra Londres, mas deu um problema com o passaporte e a coisa enguiçou. A mulher do outro lado do balcão insistia pedindo coisas fúteis. Eu percebi que minha amiga ficava nervosa com aquela burocracia toda; mas ela não dizia palavra alguma que ofendesse a funcionária.

 

                   - E daí? Conta, conta mais! – implorava a ouvinte atenta nas palavras do Bafão.

 

                   - Bom – continuou ele – Você sabe que nossa amiga é um amor de pessoa. Ela é incapaz de pisar numa barata, esmagar qualquer mosca ou estapear um pernilongo. Entretanto eu notei que ela, de repente fixou o olhar assim, num ponto vago do espaço, sua respiração tornou-se ofegante e ela, pacientemente, mais uma vez, buscou na bolsa a papelada que a funcionária do aeroporto pedia.

 

                   - Ela foi barrada? Não a deixaram embarcar? – o tom de voz da freguesa do Bafão era de ansiedade. Ela acabara de comprar o leite e o pão no boteco mais frequentado do bairro.

 

                   Bafão alisava o balcão com um guardanapo e percebendo o interesse da consumidora continuou:

 

                   - Quase! Quase que não a deixam pegar o avião. O tumulto estava muito forte. Tinha gente que ia prá lá, gente que vinha prá cá, um vozerio, era o inferno. E havia um camarada que varria, sem cessar, o chão do lugar, assim, bem perto dos pés dela.

 

                   - Estranho! – concluiu a mulher que segurava os sacos plásticos continentes de um litro de leite e seis filões. – Mas e daí? – prosseguiu a vizinha – ela pegou o avião, conseguiu embarcar?

 

                   - Bem, eu não posso dizer que ela não embarcou.  Sei que já faz um tempo que não a vejo. Mas na verdade não vi o embarque. As pessoas comentam, dizem que sim, que ela embarcou. Mas não sei se foi numa boa.

  

                   - Olha seu Bafão se ninguém comentou nada pode até ser que o embarque dela tenha sido pacífico. – concluiu a freguesa dirigindo-se para a saída. – Ah, olha – continuou ela – bota essas coisas na minha conta. O senhor sabe, meu salário vem só no fim do mês.

 

                   - Ah, tudo bem, não se preocupe com isso. – Bafão sabia que sua complacência, um dia, o poria em alguma dificuldade.

 

 

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publicado às 20:29






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