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O padrinho

por Fernando Zocca, em 21.05.14

 

 

Diante dos ataques aos ônibus urbanos ocorridos quase que diariamente em muitas cidades brasileiras e noticiados pela mídia nacional, não deixa de nos ocorrer as nossas primeiras experiências com o veículo. 

Meu padrinho de batismo era um cirurgião dentista conhecidíssimo na cidade. Residia na área central e compunha entidades importantes relacionadas à saúde bucal, tanto de benemerência quanto profissionais. 

Eu me recordo que numa ocasião, quando ainda bem menino, meu pai me levou à casa dele. Íamos a pé, de mãos dadas, e antes de chegarmos ao nosso destino, nos encontramos com o doutor, na calçada, perto do local onde mantinha o consultório. 

O dentista mostrou-se surpreso com a nossa presença e depois dos cumprimentos, apontando para mim perguntou ao meu pai:

- É esse aí?

Eu não entendia muito o que eles conversavam mas pude sentir que o clima era festivo e não fiquei muito constrangido quando, naquele tom de muita graça, o padrinho me perguntou:

- Cadê o pinto? Mostra aí. 

Provocando a gargalhada no padrinho e a repreensão do meu pai, que me deu um puxão forte no braço, eu abaixei o short e mostrei-lhe o que ele queria ver.

Depois da constatação do dentista, expressa na frase "ele mostra mesmo", dita entre risos, fomos todos à sua casa onde nos presenteou com dezenas de brinquedos antes usados por seu filho já adulto.

Dentre esses brinquedos havia um ônibus.  

Eu passava muitas horas dos dias me divertindo com os presentes todos. Mas fiquei bem triste quando soube que o filho do padrinho viera, numa tarde, buscar o ônibus que me fora dado, mas que tinha de ser devolvido. 

O tempo entre a infância e a maturidade passou rápido e na década de 1980, me vejo formado em Direito, pela universidade local.

No verso do diploma a inscrição Diploma 78409, registrado no livro Dir-6, fls. 174, conecta a carta ao sequestro do ônibus 174 da linha Gávea-Central, ocorrido no Rio de Janeiro, aos 12 de junho de 2000, no qual morreram o sequestrador Sandro do Nascimento, e a refém, a professora Geisa Firmo Gonçalves, moradora da favela da Rocinha.  

Todos nós temos de um jeito ou de outro, experiências com os ônibus. Que não sejam elas nunca relacionadas à destruição.

Durante a existência os fatos se sucedem. A gente reza e torce para que todos tenham saúde, paz e oportunidades de trabalho; e que não seja nunca necessário o uso da violência, física ou moral, para a obtenção de tudo o que nos é assegurado pela vida. 

 

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publicado às 13:55



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