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A Garrafa Perdida

por Fernando Zocca, em 28.05.13


Depois da quinta pinga Van Grogue já queria arreliar.
 
Na manhã de sábado ele entrou no bar do Bafão mais feliz do que ganhador da loteria norte-americana, do campeonato paulista.

- Ido, ido, ido, eu só como embutido - cantarolava o pinguço dançando com os braços erguidos, e os indicadores apontados para o teto.
 
Quando ele viu a Dina Mitt e Pery Kitto sentados à mesa, ao lado da janela semiaberta  emendou:

- Ina, ina, ina, a Dina é bafo de latrina.
 
Mitt sentindo seu rosto esquentar, levantou-se, pegou a garrafa pelo gargalo e atirou-a na direção do zombeteiro. Errando o alvo, o projétil atingiu a costa do Bafão que, distraído, lavava os copos na pia.

Pery Kitto, assustado com a reação violenta da mulher, tratou logo de apaziguar os ânimos:

- Calma Dina. Você não pode, e nem deve, desperdiçar tanta cerveja deste jeito. Está maluca, mulher?

- Que mané calma, o quê! - indignou-se a freguesa - você Pery Kitto, cachorro ordinário, Adam Olly e este traste mais conhecido como Van vagabundo Grogue, aprontam as maiores barbaridades, por toda a cidade, durante todo esse tempo, e quem leva a fama de pervertida sou eu - concluiu a embriagada chorosa.
 
- Já vejo que chegou a hora de internar a figura - sentenciou Bafão fixando o olhar condenador em Dina, enxugando as mãos no guardanapo e pegando em seguida, a garrafa caida sobre o engradado, que revestia o solo, atrás do balcão.

Adam Olly que passava defronte ao boteco, quando ouviu mencionar seu nome, entrou rapidamente para assuntar as novidades:

- O que se passa? Já na fofoca a essa hora do dia? A senhora não se emenda mesmo hein dona Dina abelhuda Mitt? - censurou Adam.

- Eu quero que parem de me encher o saco. Só porque fui catadora de recicláveis, vocês me perseguem. Isto é preconceito. Vou denunciar na ONU - respondeu Mitt aquecidíssima.

- Ela, ela ela... A Dina não é mais aquela... - começou Grogue outra provocação.
 
Contendo toda a raiva, Mitt ainda pôde ouvir dos marmanjos que, em unissono, e cadenciados por palmas, cantavam:

- Inha, inha, inha a Dina é uma sardinha.

Sentindo-se vencida e humilhada Dina saiu do boteco dizendo:

- Põe na minha conta as cervejas. Bebi três. Queria tomar a quarta, mas esta besta monumental, também conhecida como Grogue não permitiu. Não tem nada não. A lagoa há de secar jacaré...

À saída tumultuada da freguesa a rapaziada festejava:

- Inha, inha, inha... A Dina é uma sardinha!!! 

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publicado às 12:26

O carão intumescido

por Fernando Zocca, em 29.12.12

 

 

 

 

 





Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.

Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:

- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?

Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.

Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:

- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.

- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.

- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.

Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:

-         Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.

-         Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?

-         O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.

-         O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.

-         Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.

-         Como ele sarou? – quis saber a pinguça.

-         Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.

A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.

O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros. 

Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.

Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.

Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.


 

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publicado às 20:34

O carão intumescido

por Fernando Zocca, em 29.12.12

 

Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.


Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:


- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?


Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.


Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:


 

- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.


- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.


- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.


Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:


-         Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.


-         Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?


-         O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.


-         O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.


-         Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.


-         Como ele sarou? – quis saber a pinguça.


-         Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.


A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.


O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros.

 

Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.


Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.


Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.

 

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publicado às 18:41