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Parando de Beber

por Fernando Zocca, em 24.08.12

 

Van Grogue entrou lentamente no bar do Maçarico naquela manhã de quinta-feira e disse em alto e bom som:

- Parei de beber. Hoje completam 30 dias que deixei de lado esse vício do inferno.

Billy Rubina, Célio Justinho, Donizete Pimenta, Pery Kitto e Zé Cílio Demorais paralisaram-se, depois de fitarem o afobado que chegava.

Van aproximou-se do grupo reunido e, num gesto heroico, aspirou desafiadoramente os vapores do álcool que, tal qual uma nuvem densa, envolvia os amigos assustadíssimos com a bravata.

- Quero comunicar a todos que não faço mais parte desse time e que me considero livre desse tormento. Hoje, exatamente hoje, completam trinta dias que estou sem beber nada dessa coisa vergonhosa que vocês põem na boca.

Célio Justinho não acreditando no que ouvia, tratou logo de menosprezar o parceiro de copo, que já tentara deixar o hábito, muitas e muitas vezes sem, no entanto obter sucesso.

- Conversa fiada. Parar de beber é para os fracos. Macho que é macho não tem medo de alucinação.

- Mas já estava mesmo na hora de você parar seu Grogue. - sentenciou Billy Rubina. - Ninguém aguentava mais as suas trapalhadas.

- Isso sem falar nos prejuízos para a família toda, da aposentadoria compulsória, dos desentendimentos com os filhos e a mulher, que de vez em sempre, levavam umas porradas. - Completou Zé Cílio Demorais.

- Imagine você que esse retardado, no estado em que estava, num dia, apareceu por aqui reclamando das dores nos joanetes. - relatou Pery Kitto - Ele disse que sentia muito incômodo e que por causa disso tinha até que usar uma bengala pra andar. Mas quando olhei pros pés dele vi que a besta estava com o sapato do pé direito no esquerdo e o do esquerdo no direito.

Diante da gargalhada que irrompeu no grupo, Pery Kitto arrematou:

- E já fazia uns 15 dias que ele andava assim. O "mental" tinha acabado de comprar os sapatos e gostou tanto deles que não tirava nem pra dormir.

Sentindo-se muito envergonhado Van Grogue tentou frear a gozação dizendo num tom sério, grave, que remetia a muita responsabilidade e importância.

- É minha gente... Eu parei mesmo com isso tudo. Não quero mais saber dessa vida. Queiram vocês saber que uma decisão dessas, igual a minha só é possível para poucos e bons.

Outra onda de gargalhada explodiu fazendo com que Maçarico se preocupasse com as possíveis queixas dos vizinhos que já davam sinais de mobilização, contra as 'gandaias' frequentes no boteco.

Van preparava-se para sair quando entrou a professora Dina Mitt. Ela trazia dois sacos de estopa que colocou cuidadosamente no chão logo depois que pediu uma cerveja.

- E aí Dina? Tudo certinho? - perguntou Donizete Pimenta. Vai tomar aquela cerveja esperta?

- Ninguém é de ferro, né meu filho? - respondeu a mestra, ajeitando com cuidado, os sacos que estavam no chão.

- Você já sabe da novidade? - indagou Pery Kitto.

- Que novidade? - Quis saber a mulher que recebia a garrafa de cerveja servida por Maçarico.

- O Van Grogue parou de beber.

- Verdade Van? - Perguntou Dina Mitt espantadíssima.

- Exatamente. Hoje faz 30 dias que parei com a esbórnia.

- Muito bem seu Van, mas eu só acredito vendo. Para ter a certeza de que você não pertence mais a essa nossa turma quero que passe uma semana comigo lá no meu rancho. Nós vamos pescar andar a cavalo e nos divertir muito. Estou saindo daqui a pouco. - desafiou Dina. - Topa?

Diante do pessoal todo que, em silêncio, o olhava, aguardando uma resposta, Van respondeu:

- Ah, vamos sim. Por que não?

Logo depois que Dina Mitt terminou de beber a cerveja, pagou a conta e, pegando os dois sacos com muito cuidado, pediu ao Grogue que a acompanhasse até o carro.

- O que é que tem nesses sacos dona Dina? - quis saber o Zé Cílio.

- Nesse aqui tem um garrafão de pinga. - garantiu a mulher levantando, com cuidado, um dos sacos.

- Mas pra quê? - indagou ingenuamente o Pery Kitto.

- É que lá tem muita cobra. E no caso de picada a gente cura com pinga. Você entende? - respondeu a mestra.

- Ah, bom. - Disse em uníssono o pessoal, já preocupado com o Van.

- Mas e no outro saco? O que é que tem? - inquiriu curiosíssimo o Donizete Pimenta.

- É uma cobra. Vai que a gente chegue lá e não tenha nenhuma, não é verdade?

Boquiabertos os amigos viram o Grogue entrar na velha Rural Willis da professora que, sem vacilar, pisou fundo no acelerador.

 

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publicado às 15:17

A Mala Branca

por Fernando Zocca, em 06.12.11

 

 

 

                      

 

 

 

Gelino Embrulhano entrou no boteco A Tijolada, legítima propriedade do Maçarico, na tarde de terça-feira e foi logo ordenando:

        - Põe pra mim o que eu mais gosto e que pelas leis cármicas do universo estão a mim reservadas.

        Maçarico que, de costas para o balcão lavava alguns copos enquanto ouvia a conversa, em tom de sussurro, entre Van Grogue e Donizete Pimenta, voltou-se para o freguês recém-chegado e, com maestria, encheu um vaso com pinga, abrindo em seguida uma garrafa de cerveja.

        Ao entrar Gelino não cumprimentou ninguém. Geralmente ele não olhava Grogue nos olhos; considerava-o um chato metido que gostava de aparecer.

        Na verdade Gelino tinha muita inveja do Van de Oliveira e os comentários que faziam desse biriteiro, mais conhecido de Tupinambicas das Linhas, perto dele – do Embrulhano -, deixavam-no muito quebrantado.

        - É verdade que você vai instalar um ar condicionado aqui no boteco, Maçarico? – inquiriu Embrulhano logo depois de emborcar a vasilha de aguardente.

        Maçarico asseava o tampo do balcão com o guardanapo alvo; antes de responder a pergunta, ele parou, tirou a caneta que trazia sobre a orelha direita e, anotando alguma coisa num caderninho respondeu:

        - Mas veja você que eu vou colocar um aparelho de ar condicionado nesse ambiente. Isso é pra quem vive numa sala fechada, pra quem se sente muito mal com o calor. Geralmente são pessoas gordas que passam a maior parte do tempo sentadas, conversando. Aqui não existe essa moleza não.

        - Mas percebo que você tem novidades no ambiente. Apesar de pequeno, limitado, apertadinho, você agora decora as paredes com figuras sugestivas. Tem até um mapa do Estado de S. Tupinambos com tachinhas fincadas nas cidades da redondeza. O que significa isso?

        - As tachinhas amarelas significam os locais de onde vèm os produtos que vendo aqui no boteco. As azuis estão fincadas nos lugares onde tenho mitos parentes, que de vez em quando, vêm me visitar, e as brancas estão onde existem os sanatórios pra onde eu mando os chatos que nem você.

        Gelino Embrulhano engasgou e parou momentaneamente com a ingesta da cerveja. Van Grogue então disse:

        - O Donizete Pimenta me contou que você matou um gato. É verdade Embrulhano?

        - Eu sozinho não. Esse porco ai do seu lado, também conhecido como Donizete, participou da malvadeza. – reagiu Gelino.

        Donizete Pimenta começou então a contar a história:

        - Eu não conseguia dormir durante a noite por causa de um gato que miava por horas e horas seguidas. Era toda noite aquele inferno. Eu não tinha sossego; quando estava passando pro sono, pronto, lá vinha aquele gato me encher o saco. Ele ficava no telhado do vizinho e parecia perseguição.

        - O bichano era do dono da casa onde você “buraqueava” as filhas dele tomando banho. – entregou Embrulhano.

        - Como assim? – quis saber Van Grogue.

        - É sim. O Donizete Pimenta, quando ouvia o barulho do chuveiro da casa do vizinho, subia no muro e olhando o reflexo do espelho do armário do banheiro, assistia as meninas tomando banho.

        - Mas que pouca vergonha, hein seu Donizete? – proferiu em tom de repreensão o Maçarico.

        - Ah, mas isso já faz muito tempo. – justificou Pimenta, bebendo em seguida, um gole de cerveja.  

        - Foi ai que apareceu o gato. – informou Gelino Embrulhano.

        - Nossa! Acabamos com ele. – confirmou Donizete.

        - Numa noite, durante os miados, esse vadio xarope, chamado Pimenta levantou-se, pegou a mangueira de água e encharcou o pobre bicho, que estava preso lá em cima, sobre um caibro, entre a parede e o telhado.

        - E não satisfeito, entrou no quarto trazendo em seguida uma espingarda de pressão. – continuou Embrulhano.

        - É verdade. Enchi a cara dele de chumbo. – confessou Donizete Pimenta.

        - Depois pegou o corpo do infeliz pelo rabo e, com a maior cara de nojo, jogou-o no bueiro da esquina. – concluiu Gelino Embrulhano.

        - Deve ser por isso que os bueiros do Rio de Janeiro e São Paulo explodiram machucando tanta gente. – Concluiu Maçarico com os olhos arregalados.

        -É. Só podia ser o espírito do gato clamando por justiça. – arrematou Van Grogue.

        Os homens se entreolharam amedrontados.

        Logo em seguida parou defronte ao bar um novíssimo e luxuoso carro branco. Era Luísa Fernanda que vinha comprar o seu primeiro maço de cigarros do dia.

 

Mudando de assunto: vamos passear com o Buick 1963?

 


 

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publicado às 19:11