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Rose, a gueixa de coturnos

por Fernando Zocca, em 11.06.14
 

 

 

 

- Mas... E aquele voo de ontem a noite? Me conta, como foi? - indagava Dina Mitt ao atordoado Silly Kone.

- Eu já disse. Foi rápido, mas foi bom.

- Entre a decolagem e o pouso demorou quanto? Tipo 10 minutos?

- Imagina! Nem isso. Foi assim vupt.

- Mas e o preço da passagem? - indagava a curiosa Dina.

- Olha... Não é barato, não. Foi Caro, muito caro.

- Valeu a pena? Quis saber Dina.

- Você sabe... Quem não tem seus momentos de fraqueza?

- De otário, você quis dizer... - abusou a mulher.

- É... De otário. Fazer o quê?

- O pessoal anda comentando que até o Jarbas fez a viagem - arriscou Dina.

- Segundo o comentário lá no aeroporto, era o próprio prefeito que pagava os salários do pessoal de bordo. Sabe aquelas arrumações antigas quando o pai, um tio ou um outro parente qualquer, amigo do dono da empresa, combinava com ele a oferta de vaga de trabalho pro protegido, pagando todos os encargos?

- Sei. O dono do negócio tinha só que aguentar a figura por um determinado tempo lá no empreendimento - entendeu a Dina.

- Então... Por ter o Jarbas perdido a reeleição, não pode mais financiar o projeto. Então houve a dispensa. Mas o Tendes Trame se incumbiu dele mesmo arcar com todas as despesas trabalhistas desde que houvesse a continuação dos serviços de gueixa.

- Mas me conta mais. E os trabalhos de bordo? - Dina estava curiosíssima.

- Olha tem muita maquiagem, luzes coloridas, música ambiente, incensos indianos e uma certa ingenuidade - contou Silly.

- E bebida, rola? 

- Você acredita que não? - disse o aventureiro - Mas uma coisa me chamou muito a atenção. Sabe coturnos? Há certa fixação por esse tipo de bota.

- Será que é fetiche? - Dina estava interessada.

- Sei lá pode até ser pé chato. Sabe bota ortopédica?

 

A bordo do carro oficial do poder legislativo, Tendes Trame, a caminho de Tupinambicas das Linhas, vindo de S. Tupinambos falava ao telefone.

- E aí, amansaram a fera? Como assim? Ele apareceu? Foi lá falar com a aeromoça? Não? Você sabe né Fuinho que neste caso, teremos mesmo problemas nas reeleições. O Jarbas já caiu fora. Você e o Zé Lagartto podem preparar a aposentadoria. Não existe competência nossa nem em divertir os descontentes. Assim, meu amigo, assim não dá, assim, não pode.

Ao desligar o celular Tendes Trame percebeu que estava no meio de um engarrafamento quilométrico e que perderia muito tempo parado.

 

No bar do Bafão Dina Mitt e Silly Kone prosseguiam a conversa.

- Eu saí de lá era bem tarde da noite. Não dormi nada. Muita tensão. Na portaria o zelador me chamou de rato pelas costas. Eu nem liguei. Vou fazer o quê? - choramingava Silly Kone.

- Mas você é um banana mesmo. Onde já se viu gastar uma fortuna daquelas em troca de melar a cara com maquiagem. Você é uma besta mesmo - sentenciou a Dina.

- Ih, por falar em besta, lá vem o Van Grogue.

Van de Oliveira entrou no boteco e foi logo pedindo uma cerveja.

- Mas, olha me dá daquelas que não têm a tampinha enferrujada, por favor, viu seu Bafão?

Indo à mesa onde estavam os colegas Van acomodou-se e foi logo dizendo:

- Vocês sabiam que o Jarbas está com AIDS? 

- Hã? Como assim? - quis saber a Dina.

- É verdade. O comentário na rádio e no Diário de Tupinambicas das Linhas é que o ex-prefeito andava com uma sirigaita lá em S. Tupinambos, quando era prefeito e ela estava doente.

Dina Mitt olhando com expressão de compaixão para o Silly Kone disse suspirando.

- É meu amigo, parece que além de gastar o dinheiro, num voo ruim, você vai ter muitos outros problemas com que se preocupar, por muitos e muitos anos.

 

 

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publicado às 23:02

Salário Modesto

por Fernando Zocca, em 05.03.12

 

 

                 Van Grogue não era calçada portuguesa, aquela obra de arte feita para ser pisada, mas a população de Tupinambicas das Linhas cria que para ser feliz deveria melindrá-lo sempre.

        Essa mania, de calcar o bêbado, nascera com a vovó Bim Latem a chefe de gabinete do prefeito Jarbas, o caquético testudo, espalhando-se ao longo do tempo e pela cidade toda.

        Eu já lhes contei inúmeras passagens sobre a tal vovô Bim Latem. Ela era fã de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira; quando entrou para o funcionalismo público – onde trabalhou durante cinco anos e já está aposentada há cinquenta -, comprou com o primeiro salário que recebeu toda a discografia dos artistas.

        Por ter o Van Grogue uma desavença com Luisa Fernanda, Célio Justinho que envolveu também o prefeito Jarbas, o vereador Fuinho Bigodudo e o deputado Tendes Trame, a vovó Bim Latem desejou, com todas as suas forças morais, poderio econômico e tráfico de influência, que o tal pingueiro fosse morar numa barrica a ser instalada em qualquer rua da cidade.

        Numa das reuniões que aconteceram ao redor da piscina de Luisa Fernanda e Célio Justinho, onde também faziam churrasco e ensaiavam as apresentações da Banda Funileiros do Havaí, a vovó teria dito sobre o futuro do Van de Oliveira:

        - Vai morar na rua entre os cães; de lá “meterá o pau” em nós e em nossas obras administrativas. Quando ouvir um sino sentirá vontade de perambular pelas vias, becos e vielas.  Esse catinguento terá muita sorte se alguém se compadecer dele e o tirar da sarjeta.

        Apesar de todo esse sortilégio lançado contra Van de Oliveira, a justiça agiu antes, tendo descoberto falcatruas imensas nas licitações da prefeitura tupinambiquense.

        Jarbas, sua mulher, Fuinho Bigodudo e até mesmo Tendes Trame, tiveram de explicar como conseguiram tamanho acúmulo de bens móveis e imóveis, com os salários modestos que recebiam.

        Para muitos a carreira política desses senhores havia chegado ao fim.


 

Leia também

O Ensaio

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publicado às 15:09

A Jaqueta

por Fernando Zocca, em 29.11.11

 

 

              Luisa Fernanda estacionou seu carro branco defronte a loja onde pretendia comprar uma jaqueta. Ao acionar o dispositivo eletrônico que fechava as portas do auto, ela notou, e orgulhou-se, das unhas grandes e vermelhas que mantinha nas mãos.

       Luísa retocou o batom, também vermelho, conferindo após, o alinho dos cabelos louros e curtos, penteados pra trás.

       Eram nove horas da manhã e até aquele instante o movimento reduzido no trânsito, naquela rua, onde predominavam pequenas lojas de roupas finas, não impedia o desfrute de certo bem estar.

       Quando entrava na loja Luisa foi interceptada por Laura que, vestindo calça comprida preta, camiseta branca em que havia impressa a figura de um gavião, parou-a cumprimentando-a com um beijo amistoso. Logo em seguida Laura disse:

       - Estive ontem no salão da Célia e ouvi vários comentários a seu respeito. Luisa, é verdade o que dizem sobre você? – Laura com os olhos arregalados, segurando o antebraço esquerdo da amiga, parecia sincera com aquela indignação.

       Luisa Fernanda, acostumada com os boatos que espalhavam sobre ela não se intimidou. Sentindo-se segura ela quis saber:

       - E agora, o que é que falam de mim?

       Laura concluiu:

       - Comentam que você deixou seu marido, pai dos seus filhos e que se mandou com um ornitólogo, é verdade? O seu amigo é mesmo especialista em periquitos, araras e tucanos?

       - Amiga! Que absurdo!  Nem de periquitos, araras e muito menos de porcos. Não deixei meu marido. Estamos firmes como rochas.

       Laura sentindo-se aliviada com a notícia e percebendo em Luisa um semblante de ansiedade, indicativo de que tinha de entrar na loja, disse não mais querer tomar o tempo da colega, anunciando então a sua despedida.

       Quando se beijavam um homem alto, gordo, de bigodes imensos, aproximou-se gritando palavrões, com um inconfundível sotaque lusitano e, abrindo com gestos bruscos a porta de uma Kombi, lançou lá de dentro, um caixote sobre a calçada. Logo em seguida, arrancou com o veículo em alta velocidade.  

       Ao cair no chão a madeira da pequena caixa quebrou-se expondo cinco filhotes brancos.

       As mulheres assustadas perceberam que eram urubus. Atônitas elas chamaram outras funcionárias da loja que depois de algum tempo recolheram as aves. Formou-se um banzé-de-cuia sem precedentes na história do comércio local.

       Algum tempo depois, mais calmas, algumas delas ligaram para o serviço municipal responsável pelos bichos, que foram todos resgatados.

29/11/11

Mudando de assunto:

Quem não se lembra do Renault Deuphine que começou a ser comercializado no Brasil na década de 60? Logo depois apareceu o Renault Gordini que o substituiu. Segundo os usuários da época tratava-se de um automóvel muito fraco, mas que participava também das competições feitas nas ruas das cidades do interior.

Veja no vídeo abaixo um comercial daquele tempo.

 

 

 

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publicado às 18:46

O Kadaffi Tupinambiquense

por Fernando Zocca, em 29.08.11

 

             Tupinambicas das Linhas não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.

             Da mesma forma que o ditador líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar Tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.

             Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que vestindo bombacha, chapéu de abas largas, bota de cano longo, camisa azul pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declarando:

             - Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhano, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:

             - Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.

             - Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu. – respondeu Omar Dadde, olhando irônico para o Maçarico.

             E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:

             - Que mané chato, mano? Parece que não me conhece.

             Gelino Embrulhano respondendo a pergunta defendeu-se:

             - Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola; qual é a tua parceiro?

             - O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Omar Dadde. A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.

             - A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interviu Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.

             - Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 horas da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.

             - O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.

             - Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.

             - Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.

             - Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação disse Fuinho. Ô Sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Omar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.

             - Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.

             A partir daquele momento Maçarico teve a certeza de que o bar e a sua própria integridade física, estariam assegurados. 

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publicado às 14:22

O Ensaio

por Fernando Zocca, em 29.08.11

 

 

            Naquele sábado de manhã Célio Justinho levantou-se com uma ressaca terrível. Ele, Adam Olly, o doutor Silly Kone e Edgar Sá, passaram mais de três horas bebendo o que conseguiram no bar do Bafão.

             Aos mal-estares da bebedeira, somavam-se a preocupação de Célio com o ensaio que ele e os integrantes da Bandadubo, fariam naquela tarde, no quintal da casa.

             - Luísa Fernanda! – gritou Célio assim que entrou no banheiro, vindo do quarto abafado – Onde está criatura, o sabonete dessa joça?

             Luisa Fernanda, na sala, falava ao telefone com a vovó Bim Latem, que a convidava para uma reunião a ser feita na segunda-feira à noite.

             - Olha, não sei – dizia Luisa Fernanda ao telefone.

             - Como não sabe criatura? Eu não mandei você comprar um novo lá no boteco ontem? – esbravejou Justinho, ainda cambaleante, no banheiro.

             - A senhora sabe muito bem que no banco o pessoal pega no meu pé, não é? E tudo por causa daquela oficina de um ano, que tive de fazer depois que a diretoria trocou as guias amarelas pelas verdes. Lembra-se daquela papelada que eu carimbava todos os dias? Então...

            - Mas que mané papelada Luísa? Deixa de ser burra. Eu quero um sabonete! – esgoelava Célio Justinho.

             A cachorra Poodle Magna que, deitada ao sol na borda da piscina, ao ouvir os gritos ressoantes pela casa, iniciou uma caçada às pulgas que mantinha no cangote. Usando a pata traseira direita ela coçava-se com sofreguidão.

             Ao perceber que não seria atendido, Célio resolveu ele mesmo procurar pelo objeto que precisava. Saiu e, abrindo com vigor maior do que o usual, a porta da despensa, apanhou o sabonete.

             Caminhando de volta, resmungando desaforos, ele quase caiu ao tropeçar no tapete fixado defronte a porta do banheiro.

             Por volta das 16 horas o pessoal da Bandadubo começou a chegar. Não vinham todos juntos, mas aqueles que aportavam primeiro paravam seus carros na frente da casa da Luisa Fernanda; meia hora depois havia oito veículos estacionados naquele trecho do quarteirão.

             Ao vozerio e aos ruídos dos instrumentos sendo instalados ao lado da piscina, se juntavam os latidos estridentes da Magna, agora completamente enlouquecida com a perda do sossego.

             Célio mandou vir cerveja e uma garrafa de pinga que deixou na mesa estrategicamente resguardada dos raios solares.

             Na bateria acomodou-se Silly Kone que, com toques ligeiros, testava o som das caixas. No baixo, Pery Kitto fazia vibrar as cordas grossas usando o indicador e o médio da mão direita.

             Na guitarra Billy Rubina que estreava uma palheta nova, para tanger as cordas de aço, disfarçadamente tentava também afastar Magna, que rosnando, buscava o pé direito do músico.

             No vocal, testando o microfone, estava Van Grogue, o biriteiro mais querido de Tupinambicas das Linhas.

             - Testando... 1,2. Teste. 1,2. Som... Som. 1, 2. Som... Som. Alô. Som. 1,2. Som – dizia Van de Oliveira, com a voz monocórdica, ao microfone encostado no queixo, logo abaixo do lábio inferior.

             Depois de longos e terríveis cinco minutos de teste do microfone Luísa Fernanda, completamente descabelada, adentrou o local onde se dava a reunião e disse:

             _ Mas que puta que o pariu é essa? Tenha a santa paciência Van! Pelo amor da sua pinga. Você está querendo torturar a vizinhança? Não é possível! Veja que nem pardal fica perto dessa zoeira. Para com isso porra!

             Sentindo-se vexado pela reprimenda que a mulher fazia ao companheiro, Célio Justinho tentou esfriar os ânimos da nervosa Luisa:

             - Calma, bem. Isso é praxe. Você sabe que os músicos têm esse hábito de testar os microfones. Nada mais que isso.

             - Pô! Mas o cara já bateu com os dedos na coisa, já assoprou, contou até dois, disse “trocentos” som e ainda fica nessa? Qual é Van? Está tirando com a minha cara? – gritou Luiza com o rosto todo avermelhado pela ira.

             As pessoas do quarteirão e os parentes mais próximos já sabiam que Luísa tinha mesmo esses rompantes irracionais. Alguns afirmavam que quando ela não tinha ninguém pra descarregar a raiva, acalmava-se varrendo as calçadas do quarteirão todo com a sua vassoura especial.

              Demonstrando certa insensibilidade às críticas lançadas Van continuou o teste:

             - Som... Som... Som. Teste, 1,2, som. Som. Som, testando. Som.

              Tomada por um acesso avassalador de histeria Luisa saiu do quintal arrastando tudo o que havia na sua frente. Algumas caixas de cerveja empilhadas ao lado da porta de correr, que separava o quintal e a cozinha da casa, ao receberem o choque causado pelo encontrão da “Irene Tupinambiquence”, começou a desabar. Magna estava embaixo.

             Tomado por aquele seu instinto de goleiro, Van largando o microfone, deu um salto magistral fazendo uma espécie de ponte superfaturada, com a qual desviou o caixote que esboroaria o cocuruto da cadela.

             Luisa Fernanda percebendo o gesto heroico do biriteiro desmanchou-se em salamaleques de profundo respeito.

             - Van, me desculpa. Você é meu herói. – disse Luisa choramingando ao ir para a cozinha com a cachorra no colo.  

               

              Leia também O Kadafi Tupinambiquense.

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publicado às 12:58

O Kadaffi Tupinambiquense

por Fernando Zocca, em 03.03.11

 

                                                Tupinambicas das Linhas, não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.

 

                        Da mesma forma que o ditador Líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.

 

                        Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que, vestindo bombacha, chapéu de abas largas, botas de cano longo, camisa azul-pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declamando:

 

                        - Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhando, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:

 

                        - Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.

 

                         - Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu – respondeu Osmar Dadde, olhando irônico pro Maçarico.

 

                        E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:

 

                       - Que mané chato, mano?  Parece que não me conhece.

 

                        Gelino Embrulhando respondendo a pergunta defendeu-se:

 

                        - Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola, qual é a tua, parceiro?

 

                        - O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Osmar Dadde. - A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.

 

                        - A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interveio Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.

  

                        - Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.

 

                        - O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.

 

                        - Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.

 

                        - Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.

 

                        - Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação desse Fuinho. Ô sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Osmar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.

 

                        - Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.

 

                        A partir daquele momento, Maçarico teve a certeza de que o bar e a sua própria integridade física, estariam assegurados.

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publicado às 13:24