Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Informação e entretenimento. Colabore com a manutenção do Blog. Doe a partir de R$ 10 depositando na conta 0014675-0. Agência 3008. Caixa Econômica Federal.
Gelino Embrulhano entrou no boteco A Tijolada, legítima propriedade do Maçarico, na tarde de terça-feira e foi logo ordenando:
- Põe pra mim o que eu mais gosto e que pelas leis cármicas do universo estão a mim reservadas.
Maçarico que, de costas para o balcão lavava alguns copos enquanto ouvia a conversa, em tom de sussurro, entre Van Grogue e Donizete Pimenta, voltou-se para o freguês recém-chegado e, com maestria, encheu um vaso com pinga, abrindo em seguida uma garrafa de cerveja.
Ao entrar Gelino não cumprimentou ninguém. Geralmente ele não olhava Grogue nos olhos; considerava-o um chato metido que gostava de aparecer.
Na verdade Gelino tinha muita inveja do Van de Oliveira e os comentários que faziam desse biriteiro, mais conhecido de Tupinambicas das Linhas, perto dele – do Embrulhano -, deixavam-no muito quebrantado.
- É verdade que você vai instalar um ar condicionado aqui no boteco, Maçarico? – inquiriu Embrulhano logo depois de emborcar a vasilha de aguardente.
Maçarico asseava o tampo do balcão com o guardanapo alvo; antes de responder a pergunta, ele parou, tirou a caneta que trazia sobre a orelha direita e, anotando alguma coisa num caderninho respondeu:
- Mas veja você que eu vou colocar um aparelho de ar condicionado nesse ambiente. Isso é pra quem vive numa sala fechada, pra quem se sente muito mal com o calor. Geralmente são pessoas gordas que passam a maior parte do tempo sentadas, conversando. Aqui não existe essa moleza não.
- Mas percebo que você tem novidades no ambiente. Apesar de pequeno, limitado, apertadinho, você agora decora as paredes com figuras sugestivas. Tem até um mapa do Estado de S. Tupinambos com tachinhas fincadas nas cidades da redondeza. O que significa isso?
- As tachinhas amarelas significam os locais de onde vèm os produtos que vendo aqui no boteco. As azuis estão fincadas nos lugares onde tenho mitos parentes, que de vez em quando, vêm me visitar, e as brancas estão onde existem os sanatórios pra onde eu mando os chatos que nem você.
Gelino Embrulhano engasgou e parou momentaneamente com a ingesta da cerveja. Van Grogue então disse:
- O Donizete Pimenta me contou que você matou um gato. É verdade Embrulhano?
- Eu sozinho não. Esse porco ai do seu lado, também conhecido como Donizete, participou da malvadeza. – reagiu Gelino.
Donizete Pimenta começou então a contar a história:
- Eu não conseguia dormir durante a noite por causa de um gato que miava por horas e horas seguidas. Era toda noite aquele inferno. Eu não tinha sossego; quando estava passando pro sono, pronto, lá vinha aquele gato me encher o saco. Ele ficava no telhado do vizinho e parecia perseguição.
- O bichano era do dono da casa onde você “buraqueava” as filhas dele tomando banho. – entregou Embrulhano.
- Como assim? – quis saber Van Grogue.
- É sim. O Donizete Pimenta, quando ouvia o barulho do chuveiro da casa do vizinho, subia no muro e olhando o reflexo do espelho do armário do banheiro, assistia as meninas tomando banho.
- Mas que pouca vergonha, hein seu Donizete? – proferiu em tom de repreensão o Maçarico.
- Ah, mas isso já faz muito tempo. – justificou Pimenta, bebendo em seguida, um gole de cerveja.
- Foi ai que apareceu o gato. – informou Gelino Embrulhano.
- Nossa! Acabamos com ele. – confirmou Donizete.
- Numa noite, durante os miados, esse vadio xarope, chamado Pimenta levantou-se, pegou a mangueira de água e encharcou o pobre bicho, que estava preso lá em cima, sobre um caibro, entre a parede e o telhado.
- E não satisfeito, entrou no quarto trazendo em seguida uma espingarda de pressão. – continuou Embrulhano.
- É verdade. Enchi a cara dele de chumbo. – confessou Donizete Pimenta.
- Depois pegou o corpo do infeliz pelo rabo e, com a maior cara de nojo, jogou-o no bueiro da esquina. – concluiu Gelino Embrulhano.
- Deve ser por isso que os bueiros do Rio de Janeiro e São Paulo explodiram machucando tanta gente. – Concluiu Maçarico com os olhos arregalados.
-É. Só podia ser o espírito do gato clamando por justiça. – arrematou Van Grogue.
Os homens se entreolharam amedrontados.
Logo em seguida parou defronte ao bar um novíssimo e luxuoso carro branco. Era Luísa Fernanda que vinha comprar o seu primeiro maço de cigarros do dia.
Mudando de assunto: vamos passear com o Buick 1963?
Você também quer enxergar longe? Leia O Telescópio. Adquira agora mesmo por somente R$40,38.
Tupinambicas das Linhas, não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.
Da mesma forma que o ditador Líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.
Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que, vestindo bombacha, chapéu de abas largas, botas de cano longo, camisa azul-pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declamando:
- Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhando, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:
- Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.
- Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu – respondeu Osmar Dadde, olhando irônico pro Maçarico.
E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:
- Que mané chato, mano? Parece que não me conhece.
Gelino Embrulhando respondendo a pergunta defendeu-se:
- Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola, qual é a tua, parceiro?
- O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Osmar Dadde. - A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.
- A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interveio Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.
- Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.
- O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.
- Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.
- Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.
- Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação desse Fuinho. Ô sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Osmar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.
- Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.
A partir daquele momento, Maçarico teve a certeza de que o bar e a sua própria integridade física, estariam assegurados.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.