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Rose, a gueixa de coturnos

por Fernando Zocca, em 11.06.14
 

 

 

 

- Mas... E aquele voo de ontem a noite? Me conta, como foi? - indagava Dina Mitt ao atordoado Silly Kone.

- Eu já disse. Foi rápido, mas foi bom.

- Entre a decolagem e o pouso demorou quanto? Tipo 10 minutos?

- Imagina! Nem isso. Foi assim vupt.

- Mas e o preço da passagem? - indagava a curiosa Dina.

- Olha... Não é barato, não. Foi Caro, muito caro.

- Valeu a pena? Quis saber Dina.

- Você sabe... Quem não tem seus momentos de fraqueza?

- De otário, você quis dizer... - abusou a mulher.

- É... De otário. Fazer o quê?

- O pessoal anda comentando que até o Jarbas fez a viagem - arriscou Dina.

- Segundo o comentário lá no aeroporto, era o próprio prefeito que pagava os salários do pessoal de bordo. Sabe aquelas arrumações antigas quando o pai, um tio ou um outro parente qualquer, amigo do dono da empresa, combinava com ele a oferta de vaga de trabalho pro protegido, pagando todos os encargos?

- Sei. O dono do negócio tinha só que aguentar a figura por um determinado tempo lá no empreendimento - entendeu a Dina.

- Então... Por ter o Jarbas perdido a reeleição, não pode mais financiar o projeto. Então houve a dispensa. Mas o Tendes Trame se incumbiu dele mesmo arcar com todas as despesas trabalhistas desde que houvesse a continuação dos serviços de gueixa.

- Mas me conta mais. E os trabalhos de bordo? - Dina estava curiosíssima.

- Olha tem muita maquiagem, luzes coloridas, música ambiente, incensos indianos e uma certa ingenuidade - contou Silly.

- E bebida, rola? 

- Você acredita que não? - disse o aventureiro - Mas uma coisa me chamou muito a atenção. Sabe coturnos? Há certa fixação por esse tipo de bota.

- Será que é fetiche? - Dina estava interessada.

- Sei lá pode até ser pé chato. Sabe bota ortopédica?

 

A bordo do carro oficial do poder legislativo, Tendes Trame, a caminho de Tupinambicas das Linhas, vindo de S. Tupinambos falava ao telefone.

- E aí, amansaram a fera? Como assim? Ele apareceu? Foi lá falar com a aeromoça? Não? Você sabe né Fuinho que neste caso, teremos mesmo problemas nas reeleições. O Jarbas já caiu fora. Você e o Zé Lagartto podem preparar a aposentadoria. Não existe competência nossa nem em divertir os descontentes. Assim, meu amigo, assim não dá, assim, não pode.

Ao desligar o celular Tendes Trame percebeu que estava no meio de um engarrafamento quilométrico e que perderia muito tempo parado.

 

No bar do Bafão Dina Mitt e Silly Kone prosseguiam a conversa.

- Eu saí de lá era bem tarde da noite. Não dormi nada. Muita tensão. Na portaria o zelador me chamou de rato pelas costas. Eu nem liguei. Vou fazer o quê? - choramingava Silly Kone.

- Mas você é um banana mesmo. Onde já se viu gastar uma fortuna daquelas em troca de melar a cara com maquiagem. Você é uma besta mesmo - sentenciou a Dina.

- Ih, por falar em besta, lá vem o Van Grogue.

Van de Oliveira entrou no boteco e foi logo pedindo uma cerveja.

- Mas, olha me dá daquelas que não têm a tampinha enferrujada, por favor, viu seu Bafão?

Indo à mesa onde estavam os colegas Van acomodou-se e foi logo dizendo:

- Vocês sabiam que o Jarbas está com AIDS? 

- Hã? Como assim? - quis saber a Dina.

- É verdade. O comentário na rádio e no Diário de Tupinambicas das Linhas é que o ex-prefeito andava com uma sirigaita lá em S. Tupinambos, quando era prefeito e ela estava doente.

Dina Mitt olhando com expressão de compaixão para o Silly Kone disse suspirando.

- É meu amigo, parece que além de gastar o dinheiro, num voo ruim, você vai ter muitos outros problemas com que se preocupar, por muitos e muitos anos.

 

 

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publicado às 23:02

O carão intumescido

por Fernando Zocca, em 29.12.12

 

 

 

 

 





Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.

Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:

- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?

Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.

Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:

- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.

- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.

- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.

Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:

-         Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.

-         Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?

-         O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.

-         O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.

-         Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.

-         Como ele sarou? – quis saber a pinguça.

-         Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.

A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.

O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros. 

Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.

Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.

Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.


 

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publicado às 20:34

O Calendário

por Fernando Zocca, em 10.11.12

 

 

Van Grogue caminhava devagar, com a cabeça baixa, os braços imóveis, praticamente colados aos lados do corpo e, quando chegou defronte ao bar A Tijolada, depois de ter desviado de vários buracos, tropeçou num paralelepípedo deixado bem no meio da calçada.

Bafão, dentro do boteco, tendo passado o guardanapo sobre o tampo do balcão, tirou duma gaveta o calendário e, revendo as datas murmurava:

-         Natal... Carnaval...Humm... Feriado...Show da GaGa...

Van aproximou-se do proprietário do botequim mais famoso de Tupinambicas das Linhas e, com o dedo indicador da mão direita ereto, na altura da orelha, disse com voz desafinada:

-         Preciso fazer exercícios físicos!

Dina Mitt, Edbar Bante e Virgulão sentados á mesa do canto, longe da janela, riram muito, mas logo se assustaram com as expressões fisionômicas do Van que parecia sofrer um surto epiléptico. Ele passava as mãos com muita força sobre o rosto como se quisesse limpá-lo.

-         O que é isso Van? Vai morrer? Que ódio é esse? – perguntou Dina assustada.

-         Vai ter um troço? O que é que há colega? – exclamou Bante - levantando-se da cadeira indo na direção do companheiro.

Virgulão demonstrando bastante calma pegou, com extrema delicadeza, o seu copo e, fazendo pose, tranquilizou a moçada:

-         Nada! Pode parar! Isso é fita, encenação. Ele não pode ver um calendário que tem faniquitos. É frescura pura.

-         Delícia. – comentou aliviada a Dina, abocanhando em seguida, uma rodela de salame espetada num palito.

-         É verdade Van? Você não pode nem ouvir falar em calendário que fica derreado? – quis saber Edbar Bante. – Conta essa história pra gente.

Van fixou seus olhos nos do Bafão, e lhe fazendo um gesto que o induzia a servir-lhe a pinga, acompanhada daquela cerveja geladíssima, pôs-se a contar:

-         É o seguinte... Eu trabalhava na prefeitura naquele tempo e o caquético testudo não concedia aumento pros funcionários de jeito nenhum. Fazia uma ¨cara¨ que a gente estava necessitado; então eu e mais alguns colegas fundamos um sindicato guerreiro e por intermédio dele começamos a fazer pressão sobre o Jarbas. Chegou um momento em que o prefeito precisava do apoio do presidente da câmara municipal pra aprovar a lei que dava o nosso aumento e coisa e tal. Então o prefeito careca e magricelo nos mandou falar com o presidente do legislativo. Acontece que o Fuinho Bigodudo, afinadíssimo com a política do Jarbas, seu padrinho, não aceitava nem ao menos falar com a gente. Ele não respondia quando lhe dirigíamos a palavra, Bom... Começamos uma campanha de protestos exatamente no dia em que haveria a primeira sessão, depois da aprovação do aumento de 100% dos salários dos vereadores. Nosso grupo apitava, vaiava e exibia cartazes durante a sessão. Foi um bafafá do inferno. Bem... Chegou uma hora em que o Fuinho, bastante nervoso, mandou a tropa de choque dele sobre os manifestantes prendendo e arrebentando quase todo mundo. Os paus-mandados do Fuinho me levaram para o porão da Câmara Municipal e me amarraram numa cadeira. Puseram uma venda nos meus olhos, uma fita adesiva na minha boca, e me desceram o cacete, me bateram sem dó nem piedade. Eu imaginava que esse tipo de comportamento só existisse no tempo da ditadura militar. Mas não, os caras queriam acabar comigo. Depois de duas horas seguidas de maldades, os capangas tiraram a venda dos meus olhos e com um tapão no meu rosto disseram que o Fuinho viria falar comigo. Naquela altura do campeonato eu, que me cagara e mijara todo, já não tinha mais a noção de nada. Mas lá veio o feitor que se aproximava altivo, com aquela boquinha de chupar ovo, os passos lentos, firmes como se marchasse. Ele tinha os braços às costas e ao se achegar de mim abaixou seu rosto para bem perto do meu. Arreganhando os dentes, assim como um rottwailer faz ao rosnar diante duma presa ele me perguntou: ¨Então você quer aumento é?¨ O Fuinho caminhava em volta da cadeira onde eu estava amarrado e, batendo na coxa direita com um cilindro de papel, semelhante a esses que se faz com jornais, de momentos em momentos, parava na minha frente e me espancava no rosto com o rolo. Já pensou? Então depois de muito rodear e me bater ele parou. Abriu o cilindro de papel e disse: ¨Você consegue ver esse calendário? Olhe!¨ Com um gesto de cabeça eu disse que sim. Então ele continuou: ¨Janeiro... Fevereiro, Março...¨ Dizendo isso ele me bateu com mais força na cabeça. Então ele mandou que trouxessem uma garrafa de pinga. Abriram a minha boca e usando uma baioneta, que colocaram atravessada, na altura dos meus dentes do siso, mantiveram meus maxilares afastados. Foi quando então despejaram a pinga na minha goela. Depois daquilo eu só me recordo de ter acordado vários dias depois, no acostamento de uma estrada movimentadíssima. Eu estava um trapo. Quase tinha sido atropelado por aqueles carros, motos, ônibus e caminhões que passavam aceleradíssimos por mim. Quem me via pensava que eu fosse um morador de rua, um indigente.

-         Nossa Van... Ai que dó. Ai que pena. Coitadinho... Que loucura! – exclamou assustadíssima a Dina Mitt.

-         Pois é. Os caras quase me mataram. Depois me disseram que eu fiquei mais de 55 horas andando a esmo pela estrada. Dei 19 tropeções que me arrebentaram os sapatos. – confirmou Grogue.

-         Sim, mas vamos agora esquecer isso tudo e comemorar muito. Afinal meu querido Van de Oliveira você está vivo e saudável. – conclamou Bafão batendo palmas.

-         Pois foi isso mesmo o que aconteceu. Desconfio que os malucos querem que eu me mande de Tupinambicas das Linhas. Querem que eu vá embora da cidade. Mas não posso ir pra qualquer lugar onde não me tenham convidado. Ninguém em sã consciência deixa alguém entrar, onde quer que seja, se não tiver um convite. Não é?

-         É verdade Van. Não saia da cidade se não tiver um emprego certo e garantido. – disseram em uníssono os amigos que brindavam a decisão.



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Vereadores são barrados na porta da fábrica.

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publicado às 02:13

As Sementes de Tomate

por Fernando Zocca, em 04.07.12

 

 

Van de Oliveira Grogue, Zé Cílio Demorais e Ary Ranha estavam, na tarde de quarta-feira no bar A Tijolada, legitima propriedade do Maçarico, degustando a primeira cerveja, quando Van, olhando de repente, pra porta de entrada disse quase gritando:

- Ih, fica quieto. Para tudo!

- Nossa! O que foi Grogue. Está louco? Você assusta a gente, desse jeito pombas! - queixou-se o Zé Cílio, proprietário do Diário Tupinambiquense.

- Ah... Para com esses chiliques. Ô Grogue, manera aí caramba!!!!! - ralhou Ary Ranha.

- É o bi. - disse em voz baixa o Grogue, depois de levar a mão direita em concha a boca.

- Que bi? - inquiriu Ary Ranha. - Bimotor?

- Bivolt, bissexual? - quis saber o Zé Cílio.

- Não, seus burros. É o Bily Rubina, chefe do gabinete do Jarbas. Ocupa o lugar da vovó Bim Latem. Dizem que ele está namorando a irmã do Donizete Pimenta, o boca de porco, e que está meio pancadão.

- Imagina! - disse Bafão entrando na conversa. - O cara está legal, só exagera um pouquinho demais da conta nas biritas, nada mais que isso.

- Mas, me diga... Quem é mesmo essa vovó Bim Latem? - quis saber o Ary Ranha.

- É só você que não sabe, ô Ranha do inferno. - gritou Maçarico lá do fundo, onde tinha ido buscar mais garrafas de cerveja.

- A vovó Bim Latem foi a criadora do primeiro homem bomba tupinambiquense. - informou o Zé Cílio Demorais. - Nosso jornal fez várias matérias sobre o assunto. Está tudo documentado.

- É sim, seu zé arruela, saiba que o jornalismo é o rascunho da história. - afirmou Van Grogue, olhando o Ary bem nos olhos.

Enquanto confabulavam, Bily Rubina, caminhando lentamente, aproximava-se do grupo.

- Eu quero saber quem é o lazarento que tá espalhando pra cidade inteira que a polícia apreendeu os computadores do gabinete! - intimou o Bily, que chegava bufando feito uma maria-fumaça.

- Aqui ninguém mexe com política. - defendeu-se Van de Oliveira.

- Eu nem sabia que tinha polícia na cidade. - reforçou Ary Ranha. - Meu pai alugava uma casa pros "home", que faziam escuta telefônica e invasão de computador, de uns vizinhos, uma certa ocasião. Mas isso faz muito tempo. Naquela época meu pai bebia muito. Eu nem sei. Mas e daí, Bafão a polícia está investigando o Jarbas?

- Está nada. Esses bocudos inventam cada uma que eu vou te falar. Não é fácil, viu?

- O que é que vai ser seu Bily? - quis saber o Maçarico segurando uma garrafa de 51.

- Me dê um Campari.

Zé Cílio, Ary Ranha e Van Grogue entreolharam-se surpresos. Maçarico procurou na prateleira uma garrafa da tal bebida. Ele sabia que tinha, mas não lembrava onde a guardara. Por demorar mais tempo na localização, recebeu a solidariedade dos fregueses, que o ajudavam, olhando também as garrafas enfileiradas mais no alto.

- Serve Menta? - arriscou Maçarico sem muito ânimo para as procuras demoradas.

- Lá em cima. Estou vendo. Aquela ali com o rótulo amarelado. - Gritou Ary Ranha apontando o objeto.

Enquanto todos permaneciam atentos na busca do pedido do Bily, entrou no recinto a Luísa Fernanda ostentando todo o seu charme contido naquele 1,64m de altura.

- Seu Maçarico! Tenho pressa. Quero um litro de leite, um maço de cigarros, cinco filões e 500 gramas de mortadela. Por gentileza, quero ser atendida o mais rápidamente possível. Meu marido o Célio Justinho está nervosíssimo. Ele deu até um pontapé violentíssimo na Magna, a nossa cadela de estimação.

Os homens pararam e olharam a figura estranha, que desejava ser atendida, antes mesmo do que todos os que chegaram primeiro.

- Mas, como eu estava dizendo... A polícia não encontrará nada de errado na prefeitura. - disse o Bily Rubina procurando reatar a conversa.

- Ah, mas o Jarbas é um poço de honestidade. - garantiu o Zé Cílio Demorais. - E olha, não digo isso só porque a prefeitura publica frequentemente, editais imensos no Diário. O cara é caxias mesmo.

- O quê? Jarbas não tem culpa no cartório? - reagiu indignada a Luísa Fernanda. Pois saibam que eu e meu marido Célio Justinho fizemos a maior queixa contra esse homem. Ele será cassado. Quem viver verá. Ninguém pinta como eu pinto. Alguém aqui pinta do jeito que eu pinto? E a minha mortadela? Sai ou não sai... Caramba!

- Mesmo que mal lhe pergunte, minha nobre senhora: o seu Célio ainda tem aquele teclado velho? - perguntou à meia voz, o Van Grogue.

- Deve estar naqueles dias. - cochichou Ary Ranha pros amigos.

- O senhor prefeito não tem nada a temer. Saiba a senhora e seu marido também. O seu Célio Justinho é um gerente bancário que vive tentando tirar, de ouvido, o hino do Corinthians, que eu bem sei. - afirmou, com voz empolada, o Bily Rubina.

Num ataque de fúria incontida, Luísa Fernanda não esperou para pegar as coisas que havia pedido. Soltando vários palavrões, ela saiu do bar pisando firme e sem olhar pra trás.

Quando passou a pé, defronte a casa do Maçarico, ela tirou, de uma pequena bolsa, um pacotinho de sementes de tomate; rasgando-o com muita violência, jogou todo o conteúdo - numa espécie de simpatia - no jardim da casa do comerciante, dono do boteco A Tijolada.

- E o doutor Silly Kone, o nosso querido psiquiatra, por onde anda? - quis saber o Zé Cílio.

- Ele vai ter muito trabalho. - garantiu Van Grogue.

- Com certeza. - confirmou o dono do botequim.

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Mudando de assunto:

Você já viu o filme O Galo Corintiano?

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Conheça mais histórias do Van Grogue lendo MODERAÇÃO.

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publicado às 13:45

UM CHOPE NO SHOPPING

por Fernando Zocca, em 17.05.12

 

 




"Tudo de ruim: a pinga enlouquece; o açúcar causa diabetes, e o latifúndio é a verdadeira origem das misérias urbanas." (Frase dita pelo doutor Andrews Brócolis do Condom quando, irado, soube que sua empregada doméstica, ajuizara contra ele, uma Reclamação Trabalhista). 


Parecia inacreditável, mas aquela atmosfera antecedente ao impeachment do Collor repetia-se a olhos vistos em Tupinambicas das Linhas. O secretariado nervoso já não reagia com entusiasmo quando o testudo punha-se a expor seus planos.

 

Jarbas desgastava-se com explicações perfeitamente dispensáveis, caso seu governo navegasse mares tranquilos, ou não pairassem dúvidas sobre seu passado indigno.

 
As emendas do doutor Brócolis

 
O doutor Andrews Brócolis do Condom tentava há muito tempo contatar o gabinete do prefeito, sem a obtenção do sucesso. Explicava-se o fracasso por estar o afluxo de credores, mais intenso do que o de devedores. O aporte das verbas, oriundas dos munícipes, era minguado, colocando a administração na posição defensiva, avessa às relações incertas ou desconhecidas.


Brócolis ao sentir seus esforços comunicativos, via telefone, incompetentes, tentou redigir uma carta a ser enviada, ao gabinete, por fax.


Mas o Brócolis do Condom escrevia, escrevia, emendava, emendava e, não satisfeito com o resultado, considerou verdadeira, a opinião de que ele não passava mesmo dum simplório pateta ágrafo.


O doutor Brócolis reputava um equívoco histórico a eleição do Jarbas Nigro à prefeitura de Tupinambicas das Linhas. Mas era um fato inegável. Ele explicava o fenômeno como "a vacilada do destino."

 

A chefe do gabinete do Jarbas disse, meses antes da eleição, ser o doutor Brócolis um sujeito muito estranho. Depois dum diálogo de alguns minutos, a velhota afirmou: "um indivíduo que achava ser evacuando a rua o mesmo que fazer cocô na calçada, não podia estar muito bom das bolas." 


Watergate em Tupinambicas das Linhas

 

Andrews Brócolis do Condom sempre apoiou o Jarbas. Eles achavam que certa ou errada, Tupinambicas das Linhas deveria prevalecer forever.


Ocorre que Brócolis soube, por meio dos teclados peçonhentos, ter o Jarbas e seu grupo, participado duma tentativa de liquidação, dum oponente chato.


As notícias informavam que os maldosos haviam contaminado a caixa d água do opoente, quase matando a família toda do contrário safardana.

 

Além desses fatos gravíssimos, contra Jarbas e os asseclas, pesavam as suspeitas de haverem matado mais de 30 cães, com salsichas envenenadas. A ocorrência deu-se por causa dos latidos incomodantes das reuniões (no museu da água) entre os caudilhos do partido.


Uma testemunha que se mantinha oculta, (ela não era besta), informou a alguns jornalistas as insidiosas ações do testudo. Todos os jornais publicaram as irresponsabilidades do Sr. prefeito. O clima era de impeachment.


Ora, o que Brócolis desejava era oferecer seus préstimos ao "aeroporto de fincudo", por simpatizar com ele e por achar estar sua administração tão abandonada quanto uma indefesa senhora mãe de prole numerosa.


A pergunta era: conseguiria Brócolis incorporar-se ao exército de servidores da prefeitura municipal de Tupinambicas das Linhas?

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publicado às 15:43

Salário Modesto

por Fernando Zocca, em 05.03.12

 

 

                 Van Grogue não era calçada portuguesa, aquela obra de arte feita para ser pisada, mas a população de Tupinambicas das Linhas cria que para ser feliz deveria melindrá-lo sempre.

        Essa mania, de calcar o bêbado, nascera com a vovó Bim Latem a chefe de gabinete do prefeito Jarbas, o caquético testudo, espalhando-se ao longo do tempo e pela cidade toda.

        Eu já lhes contei inúmeras passagens sobre a tal vovô Bim Latem. Ela era fã de Herivelto Martins e Dalva de Oliveira; quando entrou para o funcionalismo público – onde trabalhou durante cinco anos e já está aposentada há cinquenta -, comprou com o primeiro salário que recebeu toda a discografia dos artistas.

        Por ter o Van Grogue uma desavença com Luisa Fernanda, Célio Justinho que envolveu também o prefeito Jarbas, o vereador Fuinho Bigodudo e o deputado Tendes Trame, a vovó Bim Latem desejou, com todas as suas forças morais, poderio econômico e tráfico de influência, que o tal pingueiro fosse morar numa barrica a ser instalada em qualquer rua da cidade.

        Numa das reuniões que aconteceram ao redor da piscina de Luisa Fernanda e Célio Justinho, onde também faziam churrasco e ensaiavam as apresentações da Banda Funileiros do Havaí, a vovó teria dito sobre o futuro do Van de Oliveira:

        - Vai morar na rua entre os cães; de lá “meterá o pau” em nós e em nossas obras administrativas. Quando ouvir um sino sentirá vontade de perambular pelas vias, becos e vielas.  Esse catinguento terá muita sorte se alguém se compadecer dele e o tirar da sarjeta.

        Apesar de todo esse sortilégio lançado contra Van de Oliveira, a justiça agiu antes, tendo descoberto falcatruas imensas nas licitações da prefeitura tupinambiquense.

        Jarbas, sua mulher, Fuinho Bigodudo e até mesmo Tendes Trame, tiveram de explicar como conseguiram tamanho acúmulo de bens móveis e imóveis, com os salários modestos que recebiam.

        Para muitos a carreira política desses senhores havia chegado ao fim.


 

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O Ensaio

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publicado às 15:09

A Jaqueta

por Fernando Zocca, em 29.11.11

 

 

              Luisa Fernanda estacionou seu carro branco defronte a loja onde pretendia comprar uma jaqueta. Ao acionar o dispositivo eletrônico que fechava as portas do auto, ela notou, e orgulhou-se, das unhas grandes e vermelhas que mantinha nas mãos.

       Luísa retocou o batom, também vermelho, conferindo após, o alinho dos cabelos louros e curtos, penteados pra trás.

       Eram nove horas da manhã e até aquele instante o movimento reduzido no trânsito, naquela rua, onde predominavam pequenas lojas de roupas finas, não impedia o desfrute de certo bem estar.

       Quando entrava na loja Luisa foi interceptada por Laura que, vestindo calça comprida preta, camiseta branca em que havia impressa a figura de um gavião, parou-a cumprimentando-a com um beijo amistoso. Logo em seguida Laura disse:

       - Estive ontem no salão da Célia e ouvi vários comentários a seu respeito. Luisa, é verdade o que dizem sobre você? – Laura com os olhos arregalados, segurando o antebraço esquerdo da amiga, parecia sincera com aquela indignação.

       Luisa Fernanda, acostumada com os boatos que espalhavam sobre ela não se intimidou. Sentindo-se segura ela quis saber:

       - E agora, o que é que falam de mim?

       Laura concluiu:

       - Comentam que você deixou seu marido, pai dos seus filhos e que se mandou com um ornitólogo, é verdade? O seu amigo é mesmo especialista em periquitos, araras e tucanos?

       - Amiga! Que absurdo!  Nem de periquitos, araras e muito menos de porcos. Não deixei meu marido. Estamos firmes como rochas.

       Laura sentindo-se aliviada com a notícia e percebendo em Luisa um semblante de ansiedade, indicativo de que tinha de entrar na loja, disse não mais querer tomar o tempo da colega, anunciando então a sua despedida.

       Quando se beijavam um homem alto, gordo, de bigodes imensos, aproximou-se gritando palavrões, com um inconfundível sotaque lusitano e, abrindo com gestos bruscos a porta de uma Kombi, lançou lá de dentro, um caixote sobre a calçada. Logo em seguida, arrancou com o veículo em alta velocidade.  

       Ao cair no chão a madeira da pequena caixa quebrou-se expondo cinco filhotes brancos.

       As mulheres assustadas perceberam que eram urubus. Atônitas elas chamaram outras funcionárias da loja que depois de algum tempo recolheram as aves. Formou-se um banzé-de-cuia sem precedentes na história do comércio local.

       Algum tempo depois, mais calmas, algumas delas ligaram para o serviço municipal responsável pelos bichos, que foram todos resgatados.

29/11/11

Mudando de assunto:

Quem não se lembra do Renault Deuphine que começou a ser comercializado no Brasil na década de 60? Logo depois apareceu o Renault Gordini que o substituiu. Segundo os usuários da época tratava-se de um automóvel muito fraco, mas que participava também das competições feitas nas ruas das cidades do interior.

Veja no vídeo abaixo um comercial daquele tempo.

 

 

 

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publicado às 18:46

Emanações Pútridas

por Fernando Zocca, em 07.10.11

 

 

 

                  Tupinambicas das Linhas não era uma cidade agradável. Essa conclusão antiga baseava-se no fato de que a maioria das edificações civis foi construída sobre pântanos.

             As emanações gasosas pútridas foram observadas pelos primeiros colonizadores, mas insuficientemente desagradáveis para os convencerem de que o lado do rio, onde ergueram as primeiras construções, não era o mais saudável.

             Os gases fétidos, resultados da podridão fermentada no subsolo, emergiam a todo o momento, tornando insalubres alguns locais específicos da urbe. Esse desconforto era intensificado quando não havia ventos e o calor tornava-se desprazível.

             Jarbas o prefeito caquético e testudo, fora comunicado, há muito, sobre a existência dessa malignidade, entretanto ele afirmava que não podia fazer praticamente nada a não ser instalar dutos que facilitassem a vazão das exalações. O assunto ocupava boa parte dos espaços na mídia e das conversas dos moradores dos locais mais prejudicados.

             Foi nesse clima que, naquela manhã de quarta-feira, Van de Oliveira Grogue adentrou o bar do Maçarico cantarolando:

             - Litrão ê, ô... Litrão ê, ô...

             Maçarico lia o Diário de Tupinambicas, que aberto sobre o balcão, noticiava uma blitz dos agentes da polícia, na prefeitura.

             - Minha pinga! – exclamou Van de Oliveira notando o desprazer que provocava no Maçarico ao interromper sua leitura.

             - Você viu o que descobriram na prefeitura? – perguntou o dono do boteco, enquanto enchia rapidamente o copo do cliente.

             - Sempre tem maracutaia nova. Qual foi dessa vez? - questionou Van, depois de emborcar a “branquinha”.

             - Prenderam um grupo de funcionários que simplesmente apagava dos computadores da Dívida Ativa, os débitos dos devedores de impostos que se propusessem a pagar 30% dos valores. E parece que o Jarbas sabia de tudo. Diziam que ele recebia alguma comissão.

             - Eu ouvi essa notícia pelo rádio, no começo da madrugada. Levaram os computadores, e cinco suspeitos. – confirmou Van de Oliveira.

             - Descobriram que o esquema de sumiço dos dados era feito há muito tempo. Desviaram milhões e milhões de reais da prefeitura. O prejuízo é bem grande. – completou Maçarico.

             - Isso explica o carro novo que o Mariel Pentelini Demorais comprou de uma hora pra outra. – concluiu Van de Oliveira.

             Atendendo a um gesto do bebedor, Maçarico abriu uma cerveja postando-a sobre o balcão. 

              – O cara não tinha nada, mas depois que passou a trabalhar na prefeitura, deixou o bigode crescer e comprou até apartamento no centro da cidade. – continuou Grogue.

             - O Mariel Pentelini não é aquele mocorongo entrevado que tinha uma serralheria, falida logo depois da morte do pai dele? – quis saber o Maçarico.

             - É esse mesmo. Eu o conheço desde criança. Na casa em que os pais dele moravam havia um limoeiro, uma pitangueira, um orquidário feito com bambus e, bem defronte a porta da cozinha, um gramado pequeno. Naquela casa, antes dos pais do Mariel mudarem pra lá, funcionou uma lavanderia. Isso explicava a existência de quatro tanques enormes num dos lados da morada. Perto dos tanques tinha um aposento com uma janela pequena e a porta bem rústica. Ali o pai do Mariel depositava pneus usados e até material de campanha política.

             - Não era naquela casa que funcionou um asilo de insensatos? – indagou o dono do boteco.

             - Isso eu não sei. Mas naquele tempo na sala havia cristaleira, mesa e cadeiras no estilo colonial, quadros nas paredes e o ambiente todo era bem agradável.

             - Que eu saiba esse Mariel Pentelini vive de bar em bar curtindo as “canas” que entorna e cofiando o bigode branco. Ele não estava aposentado? – inquiriu Maçarico.

             - Nada. Juntou-se com a “virgem dos lábios de mel” da Vila Dependência e toca o trole até hoje. – garantiu Van de Oliveira.

             - Fazer o que, não é? Temos de ter paciência, muita paciência. – garantiu Maçarico.

             Dando-se por satisfeito e finalizando o encontro, Van de Oliveira perorou:

             - Por falar nisso, Maça, anota pra mim essa continha, que logo no fim do mês eu passo pra acertar. Tudo bem?


06/10/2011 

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publicado às 15:36

O Kadaffi Tupinambiquense

por Fernando Zocca, em 29.08.11

 

             Tupinambicas das Linhas não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.

             Da mesma forma que o ditador líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar Tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.

             Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que vestindo bombacha, chapéu de abas largas, bota de cano longo, camisa azul pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declarando:

             - Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhano, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:

             - Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.

             - Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu. – respondeu Omar Dadde, olhando irônico para o Maçarico.

             E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:

             - Que mané chato, mano? Parece que não me conhece.

             Gelino Embrulhano respondendo a pergunta defendeu-se:

             - Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola; qual é a tua parceiro?

             - O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Omar Dadde. A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.

             - A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interviu Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.

             - Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 horas da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.

             - O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.

             - Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.

             - Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.

             - Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação disse Fuinho. Ô Sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Omar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.

             - Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.

             A partir daquele momento Maçarico teve a certeza de que o bar e a sua própria integridade física, estariam assegurados. 

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publicado às 14:22

O Ensaio

por Fernando Zocca, em 29.08.11

 

 

            Naquele sábado de manhã Célio Justinho levantou-se com uma ressaca terrível. Ele, Adam Olly, o doutor Silly Kone e Edgar Sá, passaram mais de três horas bebendo o que conseguiram no bar do Bafão.

             Aos mal-estares da bebedeira, somavam-se a preocupação de Célio com o ensaio que ele e os integrantes da Bandadubo, fariam naquela tarde, no quintal da casa.

             - Luísa Fernanda! – gritou Célio assim que entrou no banheiro, vindo do quarto abafado – Onde está criatura, o sabonete dessa joça?

             Luisa Fernanda, na sala, falava ao telefone com a vovó Bim Latem, que a convidava para uma reunião a ser feita na segunda-feira à noite.

             - Olha, não sei – dizia Luisa Fernanda ao telefone.

             - Como não sabe criatura? Eu não mandei você comprar um novo lá no boteco ontem? – esbravejou Justinho, ainda cambaleante, no banheiro.

             - A senhora sabe muito bem que no banco o pessoal pega no meu pé, não é? E tudo por causa daquela oficina de um ano, que tive de fazer depois que a diretoria trocou as guias amarelas pelas verdes. Lembra-se daquela papelada que eu carimbava todos os dias? Então...

            - Mas que mané papelada Luísa? Deixa de ser burra. Eu quero um sabonete! – esgoelava Célio Justinho.

             A cachorra Poodle Magna que, deitada ao sol na borda da piscina, ao ouvir os gritos ressoantes pela casa, iniciou uma caçada às pulgas que mantinha no cangote. Usando a pata traseira direita ela coçava-se com sofreguidão.

             Ao perceber que não seria atendido, Célio resolveu ele mesmo procurar pelo objeto que precisava. Saiu e, abrindo com vigor maior do que o usual, a porta da despensa, apanhou o sabonete.

             Caminhando de volta, resmungando desaforos, ele quase caiu ao tropeçar no tapete fixado defronte a porta do banheiro.

             Por volta das 16 horas o pessoal da Bandadubo começou a chegar. Não vinham todos juntos, mas aqueles que aportavam primeiro paravam seus carros na frente da casa da Luisa Fernanda; meia hora depois havia oito veículos estacionados naquele trecho do quarteirão.

             Ao vozerio e aos ruídos dos instrumentos sendo instalados ao lado da piscina, se juntavam os latidos estridentes da Magna, agora completamente enlouquecida com a perda do sossego.

             Célio mandou vir cerveja e uma garrafa de pinga que deixou na mesa estrategicamente resguardada dos raios solares.

             Na bateria acomodou-se Silly Kone que, com toques ligeiros, testava o som das caixas. No baixo, Pery Kitto fazia vibrar as cordas grossas usando o indicador e o médio da mão direita.

             Na guitarra Billy Rubina que estreava uma palheta nova, para tanger as cordas de aço, disfarçadamente tentava também afastar Magna, que rosnando, buscava o pé direito do músico.

             No vocal, testando o microfone, estava Van Grogue, o biriteiro mais querido de Tupinambicas das Linhas.

             - Testando... 1,2. Teste. 1,2. Som... Som. 1, 2. Som... Som. Alô. Som. 1,2. Som – dizia Van de Oliveira, com a voz monocórdica, ao microfone encostado no queixo, logo abaixo do lábio inferior.

             Depois de longos e terríveis cinco minutos de teste do microfone Luísa Fernanda, completamente descabelada, adentrou o local onde se dava a reunião e disse:

             _ Mas que puta que o pariu é essa? Tenha a santa paciência Van! Pelo amor da sua pinga. Você está querendo torturar a vizinhança? Não é possível! Veja que nem pardal fica perto dessa zoeira. Para com isso porra!

             Sentindo-se vexado pela reprimenda que a mulher fazia ao companheiro, Célio Justinho tentou esfriar os ânimos da nervosa Luisa:

             - Calma, bem. Isso é praxe. Você sabe que os músicos têm esse hábito de testar os microfones. Nada mais que isso.

             - Pô! Mas o cara já bateu com os dedos na coisa, já assoprou, contou até dois, disse “trocentos” som e ainda fica nessa? Qual é Van? Está tirando com a minha cara? – gritou Luiza com o rosto todo avermelhado pela ira.

             As pessoas do quarteirão e os parentes mais próximos já sabiam que Luísa tinha mesmo esses rompantes irracionais. Alguns afirmavam que quando ela não tinha ninguém pra descarregar a raiva, acalmava-se varrendo as calçadas do quarteirão todo com a sua vassoura especial.

              Demonstrando certa insensibilidade às críticas lançadas Van continuou o teste:

             - Som... Som... Som. Teste, 1,2, som. Som. Som, testando. Som.

              Tomada por um acesso avassalador de histeria Luisa saiu do quintal arrastando tudo o que havia na sua frente. Algumas caixas de cerveja empilhadas ao lado da porta de correr, que separava o quintal e a cozinha da casa, ao receberem o choque causado pelo encontrão da “Irene Tupinambiquence”, começou a desabar. Magna estava embaixo.

             Tomado por aquele seu instinto de goleiro, Van largando o microfone, deu um salto magistral fazendo uma espécie de ponte superfaturada, com a qual desviou o caixote que esboroaria o cocuruto da cadela.

             Luisa Fernanda percebendo o gesto heroico do biriteiro desmanchou-se em salamaleques de profundo respeito.

             - Van, me desculpa. Você é meu herói. – disse Luisa choramingando ao ir para a cozinha com a cachorra no colo.  

               

              Leia também O Kadafi Tupinambiquense.

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publicado às 12:58






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