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Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.
Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:
- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?
Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.
Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:
- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.
- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.
- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.
Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:
- Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.
- Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?
- O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.
- O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.
- Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.
- Como ele sarou? – quis saber a pinguça.
- Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.
A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.
O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros.
Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.
Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.
Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.
Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.
Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:
- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?
Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.
Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:
- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.
- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.
- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.
Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:
- Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.
- Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?
- O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.
- O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.
- Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.
- Como ele sarou? – quis saber a pinguça.
- Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.
A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.
O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros.
Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.
Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.
Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.
- Fecha a minha conta. Quero pagar tudo e encerrar essa novela por aqui. - Afirmou, com muita segurança, o Van Grogue ao Maçarico que o olhava espantadíssimo.
O dono do botequim abriu uma gaveta sob o tampo do balcão, pegou um caderno surrado, cuspiu nas pontas do polegar e indicador da mão direita, localizou as anotações sobre o freguês e tirando um lápis que mantinha equilibrado sobre a orelha direita, iniciou a contagem.
- Hã-hã, vezes quatro... Mais 250... Hã... Noves fora... Mais tanto de cerveja, pinga... Nem se fale... Bom... Certo... Seu Van, o senhor me deve exatos R$924.
Grogue espantou-se. Boquiaberto e tentando manter a lucidez que ainda lhe restava ele indagou:
- Mas... Caramba. Eu não devia só R$273 ???
- Não, não. Esses R$273 são de uma conta antiga. Quem me devia isso e, aliás, já pagou no dia 23 de agosto, foi o seu pai. Você me deve só R$924.
- Então está bem. Você tem uma caneta? - Van sacou do bolso traseiro um talão de cheques e preenchendo o documento disse:
- Olha, seu Maçarico, o senhor deposita esse cheque depois de amanhã. Entendeu?
A longa experiência com esse tipo de situação despertou no dono do botequim uma sensação bem conhecida. Algo lhe dizia que a coisa não findaria conforme o costume.
Grogue terminou o preenchimento do título e assinando-o com muita pose, destacou-o do talão entregando-o ao credor.
Maçarico anotou, com o lápis, a data em que o documento deveria ser apresentado ao banco. Depois ele riscou as anotações do débito do cliente no caderno puído.
Quando Grogue saia, Maçarico chamou-o dando-lhe uma latinha de cerveja.
- Leva essa. Mas olha... Não é pra beber. Entendeu?
- Uma lata de cerveja e não posso beber? - inquiriu o Van arregalando os olhos.
- Vai na boa!!! - disse Maçarico num tom de quem encerrava a conversa.
Depois de uma semana Van Grogue ligou para o dono do estabelecimento dizendo:
- Maça, meu querido. Tive um contratempo e não pude cobrir o cheque que lhe dei na semana passada. Você segura ele ai pra mim que quando tiver o "cacau" eu passo pra pegar.
- Sem problemas. - respondeu Maçarico num tom de voz suave o suficiente para disfarçar o ódio que sentia.
No dia seguinte Van apareceu no boteco.
- Ainda não consegui o dinheiro. Mas tenha um pouco de paciência que eu logo lhe pago. Me dê uma cerveja. Não esqueça o meu aditivo. Você sabe... Sou viciado nessa pinga.
Maçarico serviu o freguês e tirando da gaveta o cheque devolvido pelo banco mostrou-o ao devedor.
- Olha você não precisa me pagar. Está tudo certo.
Van não acreditou no que ouvia. Ansioso, o perdoado levou a mão em direção ao cheque tentando agarrá-lo.
- Mas espera só um momento. - Disse Maçarico pegando uma régua e colocando-a sobre a parte superior do documento, onde havia a inscrição dos numerais indicativos do banco, agência e conta do cliente. Com habilidade o perdoador destacou aquela parte do cheque devolvendo o restante ao perdoado.
Sem entender as intenções do proprietário do botequim, Van Grogue pagou a cerveja e o “aditivo” que consumiu naquele momento deixando o boteco.
- Quando você beber aquela cerveja que eu lhe dei sua história nunca mais será a mesma. - resmungou Maçarico contendo a raiva enorme que sentia.
Van Grogue entrou lentamente no bar do Maçarico naquela manhã de quinta-feira e disse em alto e bom som:
- Parei de beber. Hoje completam 30 dias que deixei de lado esse vício do inferno.
Billy Rubina, Célio Justinho, Donizete Pimenta, Pery Kitto e Zé Cílio Demorais paralisaram-se, depois de fitarem o afobado que chegava.
Van aproximou-se do grupo reunido e, num gesto heroico, aspirou desafiadoramente os vapores do álcool que, tal qual uma nuvem densa, envolvia os amigos assustadíssimos com a bravata.
- Quero comunicar a todos que não faço mais parte desse time e que me considero livre desse tormento. Hoje, exatamente hoje, completam trinta dias que estou sem beber nada dessa coisa vergonhosa que vocês põem na boca.
Célio Justinho não acreditando no que ouvia, tratou logo de menosprezar o parceiro de copo, que já tentara deixar o hábito, muitas e muitas vezes sem, no entanto obter sucesso.
- Conversa fiada. Parar de beber é para os fracos. Macho que é macho não tem medo de alucinação.
- Mas já estava mesmo na hora de você parar seu Grogue. - sentenciou Billy Rubina. - Ninguém aguentava mais as suas trapalhadas.
- Isso sem falar nos prejuízos para a família toda, da aposentadoria compulsória, dos desentendimentos com os filhos e a mulher, que de vez em sempre, levavam umas porradas. - Completou Zé Cílio Demorais.
- Imagine você que esse retardado, no estado em que estava, num dia, apareceu por aqui reclamando das dores nos joanetes. - relatou Pery Kitto - Ele disse que sentia muito incômodo e que por causa disso tinha até que usar uma bengala pra andar. Mas quando olhei pros pés dele vi que a besta estava com o sapato do pé direito no esquerdo e o do esquerdo no direito.
Diante da gargalhada que irrompeu no grupo, Pery Kitto arrematou:
- E já fazia uns 15 dias que ele andava assim. O "mental" tinha acabado de comprar os sapatos e gostou tanto deles que não tirava nem pra dormir.
Sentindo-se muito envergonhado Van Grogue tentou frear a gozação dizendo num tom sério, grave, que remetia a muita responsabilidade e importância.
- É minha gente... Eu parei mesmo com isso tudo. Não quero mais saber dessa vida. Queiram vocês saber que uma decisão dessas, igual a minha só é possível para poucos e bons.
Outra onda de gargalhada explodiu fazendo com que Maçarico se preocupasse com as possíveis queixas dos vizinhos que já davam sinais de mobilização, contra as 'gandaias' frequentes no boteco.
Van preparava-se para sair quando entrou a professora Dina Mitt. Ela trazia dois sacos de estopa que colocou cuidadosamente no chão logo depois que pediu uma cerveja.
- E aí Dina? Tudo certinho? - perguntou Donizete Pimenta. Vai tomar aquela cerveja esperta?
- Ninguém é de ferro, né meu filho? - respondeu a mestra, ajeitando com cuidado, os sacos que estavam no chão.
- Você já sabe da novidade? - indagou Pery Kitto.
- Que novidade? - Quis saber a mulher que recebia a garrafa de cerveja servida por Maçarico.
- O Van Grogue parou de beber.
- Verdade Van? - Perguntou Dina Mitt espantadíssima.
- Exatamente. Hoje faz 30 dias que parei com a esbórnia.
- Muito bem seu Van, mas eu só acredito vendo. Para ter a certeza de que você não pertence mais a essa nossa turma quero que passe uma semana comigo lá no meu rancho. Nós vamos pescar andar a cavalo e nos divertir muito. Estou saindo daqui a pouco. - desafiou Dina. - Topa?
Diante do pessoal todo que, em silêncio, o olhava, aguardando uma resposta, Van respondeu:
- Ah, vamos sim. Por que não?
Logo depois que Dina Mitt terminou de beber a cerveja, pagou a conta e, pegando os dois sacos com muito cuidado, pediu ao Grogue que a acompanhasse até o carro.
- O que é que tem nesses sacos dona Dina? - quis saber o Zé Cílio.
- Nesse aqui tem um garrafão de pinga. - garantiu a mulher levantando, com cuidado, um dos sacos.
- Mas pra quê? - indagou ingenuamente o Pery Kitto.
- É que lá tem muita cobra. E no caso de picada a gente cura com pinga. Você entende? - respondeu a mestra.
- Ah, bom. - Disse em uníssono o pessoal, já preocupado com o Van.
- Mas e no outro saco? O que é que tem? - inquiriu curiosíssimo o Donizete Pimenta.
- É uma cobra. Vai que a gente chegue lá e não tenha nenhuma, não é verdade?
Boquiabertos os amigos viram o Grogue entrar na velha Rural Willis da professora que, sem vacilar, pisou fundo no acelerador.
Gelino Embrulhano entrou no boteco A Tijolada, legítima propriedade do Maçarico, na tarde de terça-feira e foi logo ordenando:
- Põe pra mim o que eu mais gosto e que pelas leis cármicas do universo estão a mim reservadas.
Maçarico que, de costas para o balcão lavava alguns copos enquanto ouvia a conversa, em tom de sussurro, entre Van Grogue e Donizete Pimenta, voltou-se para o freguês recém-chegado e, com maestria, encheu um vaso com pinga, abrindo em seguida uma garrafa de cerveja.
Ao entrar Gelino não cumprimentou ninguém. Geralmente ele não olhava Grogue nos olhos; considerava-o um chato metido que gostava de aparecer.
Na verdade Gelino tinha muita inveja do Van de Oliveira e os comentários que faziam desse biriteiro, mais conhecido de Tupinambicas das Linhas, perto dele – do Embrulhano -, deixavam-no muito quebrantado.
- É verdade que você vai instalar um ar condicionado aqui no boteco, Maçarico? – inquiriu Embrulhano logo depois de emborcar a vasilha de aguardente.
Maçarico asseava o tampo do balcão com o guardanapo alvo; antes de responder a pergunta, ele parou, tirou a caneta que trazia sobre a orelha direita e, anotando alguma coisa num caderninho respondeu:
- Mas veja você que eu vou colocar um aparelho de ar condicionado nesse ambiente. Isso é pra quem vive numa sala fechada, pra quem se sente muito mal com o calor. Geralmente são pessoas gordas que passam a maior parte do tempo sentadas, conversando. Aqui não existe essa moleza não.
- Mas percebo que você tem novidades no ambiente. Apesar de pequeno, limitado, apertadinho, você agora decora as paredes com figuras sugestivas. Tem até um mapa do Estado de S. Tupinambos com tachinhas fincadas nas cidades da redondeza. O que significa isso?
- As tachinhas amarelas significam os locais de onde vèm os produtos que vendo aqui no boteco. As azuis estão fincadas nos lugares onde tenho mitos parentes, que de vez em quando, vêm me visitar, e as brancas estão onde existem os sanatórios pra onde eu mando os chatos que nem você.
Gelino Embrulhano engasgou e parou momentaneamente com a ingesta da cerveja. Van Grogue então disse:
- O Donizete Pimenta me contou que você matou um gato. É verdade Embrulhano?
- Eu sozinho não. Esse porco ai do seu lado, também conhecido como Donizete, participou da malvadeza. – reagiu Gelino.
Donizete Pimenta começou então a contar a história:
- Eu não conseguia dormir durante a noite por causa de um gato que miava por horas e horas seguidas. Era toda noite aquele inferno. Eu não tinha sossego; quando estava passando pro sono, pronto, lá vinha aquele gato me encher o saco. Ele ficava no telhado do vizinho e parecia perseguição.
- O bichano era do dono da casa onde você “buraqueava” as filhas dele tomando banho. – entregou Embrulhano.
- Como assim? – quis saber Van Grogue.
- É sim. O Donizete Pimenta, quando ouvia o barulho do chuveiro da casa do vizinho, subia no muro e olhando o reflexo do espelho do armário do banheiro, assistia as meninas tomando banho.
- Mas que pouca vergonha, hein seu Donizete? – proferiu em tom de repreensão o Maçarico.
- Ah, mas isso já faz muito tempo. – justificou Pimenta, bebendo em seguida, um gole de cerveja.
- Foi ai que apareceu o gato. – informou Gelino Embrulhano.
- Nossa! Acabamos com ele. – confirmou Donizete.
- Numa noite, durante os miados, esse vadio xarope, chamado Pimenta levantou-se, pegou a mangueira de água e encharcou o pobre bicho, que estava preso lá em cima, sobre um caibro, entre a parede e o telhado.
- E não satisfeito, entrou no quarto trazendo em seguida uma espingarda de pressão. – continuou Embrulhano.
- É verdade. Enchi a cara dele de chumbo. – confessou Donizete Pimenta.
- Depois pegou o corpo do infeliz pelo rabo e, com a maior cara de nojo, jogou-o no bueiro da esquina. – concluiu Gelino Embrulhano.
- Deve ser por isso que os bueiros do Rio de Janeiro e São Paulo explodiram machucando tanta gente. – Concluiu Maçarico com os olhos arregalados.
-É. Só podia ser o espírito do gato clamando por justiça. – arrematou Van Grogue.
Os homens se entreolharam amedrontados.
Logo em seguida parou defronte ao bar um novíssimo e luxuoso carro branco. Era Luísa Fernanda que vinha comprar o seu primeiro maço de cigarros do dia.
Mudando de assunto: vamos passear com o Buick 1963?
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Parado na esquina, com o cacete na mão, Donizete Pimenta esperava por alguém que viesse atacá-lo.
Na verdade o moço delirante, por sentir-se ameaçado, mantinha-se em posição de defesa.
Quem passava pela rua via aquela figura grotesca, primitiva, de short bege, sem camisa, descalço, com o tacape em riste, pronto para o combate imaginário.
Diziam no quarteirão que o amalucado tinha ascendência chilena e que viera para Tupinambicas das Linhas fugido da polícia. Segundo comentários, no bar do Maçarico, Donizete envolvera-se com o sequestro de um velho carteiro.
Os vizinhos notaram que o doidinho tinha o hábito de sair de casa sempre acompanhado de uma jovem morena, de cabelos pretos e longos, caminhar rapidamente pelas ruas, e de não falar com ninguém.
No boteco, Maçarico já demonstrara a sua desconfiança ao conversar com a figura, que entrara numa ocasião, para comprar cigarros.
Num domingo de manhã quando Van Grogue, Zé Cílio Demorais e Billy Rubina bebiam tranquilamente, comentaram as impressões causadas pelo novo e misterioso vizinho, que passara naquele momento, ligeiro assim, feito uma sombra, pela porta do bar.
- Dizem que é muito rico. A mulher deve ter umas oito casas. Com escritura e tudo. – disse Van de Oliveira ao notar a dupla que caminhava.
- Eles não têm filhos. – emendou Zé Cílio.
- Eu ouvi dizer que eles têm filhos de outras uniões. Se não me engano são quatro menores.
- Ninguém nunca viu esses dois com guris, zanzando de lá pra cá. – contribuiu Maçarico.
- Talvez fiquem escondidos dentro da casa. – arriscou Van Grogue.
- Será? – questionou Zé Cílio.
- Eu não acredito que esse bagre cabeçudo tenha capacidade pra fazer isso. – desafiou Maçarico.
- Olha, não duvide. Tem louco pra tudo. Pelo jeito que esse pé-rachado age, não duvide que ele seja capaz de gerar filhos com a própria filha. – garantiu Billy.
- Pra mim esse retardado mental quer fazer bonito pra impressionar a mocréia miserável que caiu na rede dele. – concluiu Maçarico.
Agora ali, parado na esquina, com a borduna na mão, à espera do inimigo imaginário, Donizete assustado, com o coração a galope, viu a polícia que chegava.
Ao ser detido ele confessou que mantinha uma das crianças presas num cubículo, construído dentro de um dos quartos da casa, feita lá no fundo do quintal; e que a sujeitara, para aprender, a ouvir diuturnamente, centenas de músicas sertanejas.
Depois das primeiras providências, tomadas no inquérito policial, o delegado determinou que Donizete Pimenta fosse levado ao sanatório psiquiátrico do doutor Silly Kone, onde recebeu o tratamento especializado.
24/10/11
Tupinambicas das Linhas não era uma cidade agradável. Essa conclusão antiga baseava-se no fato de que a maioria das edificações civis foi construída sobre pântanos.
As emanações gasosas pútridas foram observadas pelos primeiros colonizadores, mas insuficientemente desagradáveis para os convencerem de que o lado do rio, onde ergueram as primeiras construções, não era o mais saudável.
Os gases fétidos, resultados da podridão fermentada no subsolo, emergiam a todo o momento, tornando insalubres alguns locais específicos da urbe. Esse desconforto era intensificado quando não havia ventos e o calor tornava-se desprazível.
Jarbas o prefeito caquético e testudo, fora comunicado, há muito, sobre a existência dessa malignidade, entretanto ele afirmava que não podia fazer praticamente nada a não ser instalar dutos que facilitassem a vazão das exalações. O assunto ocupava boa parte dos espaços na mídia e das conversas dos moradores dos locais mais prejudicados.
Foi nesse clima que, naquela manhã de quarta-feira, Van de Oliveira Grogue adentrou o bar do Maçarico cantarolando:
- Litrão ê, ô... Litrão ê, ô...
Maçarico lia o Diário de Tupinambicas, que aberto sobre o balcão, noticiava uma blitz dos agentes da polícia, na prefeitura.
- Minha pinga! – exclamou Van de Oliveira notando o desprazer que provocava no Maçarico ao interromper sua leitura.
- Você viu o que descobriram na prefeitura? – perguntou o dono do boteco, enquanto enchia rapidamente o copo do cliente.
- Sempre tem maracutaia nova. Qual foi dessa vez? - questionou Van, depois de emborcar a “branquinha”.
- Prenderam um grupo de funcionários que simplesmente apagava dos computadores da Dívida Ativa, os débitos dos devedores de impostos que se propusessem a pagar 30% dos valores. E parece que o Jarbas sabia de tudo. Diziam que ele recebia alguma comissão.
- Eu ouvi essa notícia pelo rádio, no começo da madrugada. Levaram os computadores, e cinco suspeitos. – confirmou Van de Oliveira.
- Descobriram que o esquema de sumiço dos dados era feito há muito tempo. Desviaram milhões e milhões de reais da prefeitura. O prejuízo é bem grande. – completou Maçarico.
- Isso explica o carro novo que o Mariel Pentelini Demorais comprou de uma hora pra outra. – concluiu Van de Oliveira.
Atendendo a um gesto do bebedor, Maçarico abriu uma cerveja postando-a sobre o balcão.
– O cara não tinha nada, mas depois que passou a trabalhar na prefeitura, deixou o bigode crescer e comprou até apartamento no centro da cidade. – continuou Grogue.
- O Mariel Pentelini não é aquele mocorongo entrevado que tinha uma serralheria, falida logo depois da morte do pai dele? – quis saber o Maçarico.
- É esse mesmo. Eu o conheço desde criança. Na casa em que os pais dele moravam havia um limoeiro, uma pitangueira, um orquidário feito com bambus e, bem defronte a porta da cozinha, um gramado pequeno. Naquela casa, antes dos pais do Mariel mudarem pra lá, funcionou uma lavanderia. Isso explicava a existência de quatro tanques enormes num dos lados da morada. Perto dos tanques tinha um aposento com uma janela pequena e a porta bem rústica. Ali o pai do Mariel depositava pneus usados e até material de campanha política.
- Não era naquela casa que funcionou um asilo de insensatos? – indagou o dono do boteco.
- Isso eu não sei. Mas naquele tempo na sala havia cristaleira, mesa e cadeiras no estilo colonial, quadros nas paredes e o ambiente todo era bem agradável.
- Que eu saiba esse Mariel Pentelini vive de bar em bar curtindo as “canas” que entorna e cofiando o bigode branco. Ele não estava aposentado? – inquiriu Maçarico.
- Nada. Juntou-se com a “virgem dos lábios de mel” da Vila Dependência e toca o trole até hoje. – garantiu Van de Oliveira.
- Fazer o que, não é? Temos de ter paciência, muita paciência. – garantiu Maçarico.
Dando-se por satisfeito e finalizando o encontro, Van de Oliveira perorou:
- Por falar nisso, Maça, anota pra mim essa continha, que logo no fim do mês eu passo pra acertar. Tudo bem?
06/10/2011
Tupinambicas das Linhas não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.
Da mesma forma que o ditador líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar Tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.
Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que vestindo bombacha, chapéu de abas largas, bota de cano longo, camisa azul pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declarando:
- Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhano, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:
- Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.
- Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu. – respondeu Omar Dadde, olhando irônico para o Maçarico.
E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:
- Que mané chato, mano? Parece que não me conhece.
Gelino Embrulhano respondendo a pergunta defendeu-se:
- Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola; qual é a tua parceiro?
- O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Omar Dadde. A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.
- A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interviu Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.
- Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 horas da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.
- O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.
- Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.
- Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.
- Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação disse Fuinho. Ô Sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Omar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.
- Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.
A partir daquele momento Maçarico teve a certeza de que o bar e a sua própria integridade física, estariam assegurados.
Tupinambicas das Linhas, não era a Líbia, mas também tinha o seu Muammar Kadaffi. Era o vereador Fuinho Bigodudo, conhecido como Muar Fuinho Bigodudo.
Da mesma forma que o ditador Líbio insistia em não deixar o poder, mantido com injustiças e violência, o Muar tupinambiquense também se negava a “largar o osso”, mantido com verbas substanciosas, aos comunicadores dependentes da cidade.
Mas na manhã de domingo, no bar do Maçarico, quando já degustava a cerveja gelada, com a barriga encostada no balcão, Gelino Embrulhano pôde notar a presença espalhafatosa do Omar Dadde que, vestindo bombacha, chapéu de abas largas, botas de cano longo, camisa azul-pavão e um lenço de cetim amarelo, amarrado no pescoço, entrou em cena declamando:
- Eu vou/Eu vou/Pra casa agora eu vou... – Dadde mal terminou sua mensagem matinal quando foi interrompido por Gelino Embrulhando, que falou ao Maçarico, em alto e bom som:
- Pronto! Acabou o sossego! O chato acaba de chegar.
- Mas, olha... Veja quem está aqui. É o sujeito mais mentiroso, enrolado e falso que a cidade já viu – respondeu Osmar Dadde, olhando irônico pro Maçarico.
E depois ainda, aproveitando o silêncio que se fez, por alguns segundos no botequim, Dadde continuou:
- Que mané chato, mano? Parece que não me conhece.
Gelino Embrulhando respondendo a pergunta defendeu-se:
- Onde eu estou você logo vem atrás. Parece boiolagem, tesão de argola, qual é a tua, parceiro?
- O quê? Tesão de argola? Ocê tá louco Embrulhano? Eu sou é muito macho, meu chapa – indignou-se Osmar Dadde. - A cidade é livre, eu também sou. Por isso vou onde quero.
- A cidade pode ser livre e seus habitantes também – interveio Maçarico interrompendo a conversa entre os dois fregueses. Ele julgou que a rixa poderia descambar para a agressão física e o quebra-quebra.
- Ouvi um comentário que esse tal vereador Fuinho Bigodudo fez uma lei que proíbe o funcionamento de todos os bares e restaurantes da cidade, depois das 10 da noite. Ele instituiu o famoso toque de recolher.
- O quê? Ele fez isso? – perguntaram em uníssono os dois contendores.
- Fez sim. E se não me engano, o projeto de lei está no gabinete do prefeito Jarbas, pra ser aprovado – completou Maçarico, vendo que os birrentos esqueceram as hostilidades por alguns instantes.
- Isso quer dizer que ninguém mais poderá tomar seus birinaites nos bares, depois das dez horas da noite? – questionou Embrulhano.
- Mas isso é um absurdo! Vamos iniciar um abaixo assinado pedindo a cassação desse Fuinho. Ô sujeito maldoso! Votar nele é a mesma coisa que adubar erva daninha – proclamou Osmar Dadde brindando com um copo de cerveja que acabara de encher.
- Vamos depor esse Kadaffi tupinambiquense! – decretou Gelino Embrulhano.
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