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O Pé Direito

por Fernando Zocca, em 31.12.10

 

                                Tomávamos o café da manhã naquele sábado ensolarado. À mesa estava Neide, nossos dois filhos de oito e sete anos e eu que lia também o jornal.

                Por estar em férias, já pensava no que faria depois de completar a leitura. Havia algumas alternativas como passear com as crianças, curtindo a vegetação da praça, sair sozinho, para fotografar alguma cena interessante ou ver TV.

                Ainda na dúvida e envolvido pela zoeira dos meninos, que já corriam pela sala, ouvi o velho telefone fixo que tilintava insistente.

                Neide levantou-se rápida, e ainda mastigando um pedacinho de biscoito de chocolate, atendeu.

                - Ah, oi! Como vai? Você não acredita, mas estava pensando em você. Hã, sei. Lá no sítio? Hoje? Não sei, vou falar com o Lucas.

                Depois de mais algumas palavras Neide tapou o bocal do aparelho e olhando para mim disse:

                - É a Madalena! Ela está perguntando se a gente quer passar o final de semana lá no Alvo. Diz que vai ter festa.

                - Essa sua irmã não tem sossego mesmo. Acabou de chegar da Disney e já pensa em festança – respondi fechando o jornal e ingerindo o último gole de café.

                - Ela está dizendo que vai ter churrasco e que meio mundo foi convidado.

                - Quando ela vai? – quis eu saber já preocupado.

                - Madalena! Quando vocês vão? Hoje? Hã, você passa aqui pra nos pegar? Ah tá, nós esperamos – encerrou Neide a conversa, desligando o telefone.

                Depois, vindo em minha direção:

                - Ela disse que daqui a meia hora vem nos pegar, pra gente passar o final de semana lá no Alvo. É melhor todo mundo ir se aprontando – ordenou Neide batendo palmas no meio da sala, chamando a atenção dos meninos.

                Passado o tempo Madalena buzina defronte o sobrado. Além de causar o estardalhaço com o som estridente ela gritava também.

                - Neide! Lucas! Vamos embora crianças!

                - É a Madalena. Vamos, todo mundo! Rápido, correndo! – instigava Neide meio louca com a agitação da irmã.

                - Nossa Senhora! Pelo amor de Deus! Vamos devagar se não a coisa complica – gritei eu, tentando segurar a avalanche.

                Madalena já acionava a campainha da porta gritando na sequencia:

                - Vamos gente. Temos que pegar a estrada daqui a pouco.

                Todos, inflados pela doideira da Madalena, corremos pra porta. A agitada nos ajudou a acomodar as mochilas no porta-malas.

                No carro e ao som, no último volume, de Massachusetts do Bee Gees, Madalena esgoelava:

                - Vamos pra Campinas. O Marcelo está nos esperando.

                E lá fomos nós estrada afora. Ainda bem que havia pouco movimento.

                Em Campinas, na mansão da cunhada, Marcelo dormia com a boca aberta, atravessado na cama do casal. Ele vestia camiseta verde, calça jeans justa e calçava mocassim marrom. Ele não se assustou quando Madalena acordou-o.

                Enquanto esperava Marcelo trocar as roupas – ele trabalhara a manhã toda – Madalena, falando pelos cotovelos, preparou um café bem forte.  

               Ouvindo a história de que a empregada fora dispensada na sexta-feira à noite e, informados de que não haveria tempo para a feitura do almoço, tomamos o lanche feito com pão de forma, queijo prato e café com leite.

                Marcelo apareceu na cozinha com os cabelos molhados e penteados para trás. Vestia uma camiseta alvinegra de listras horizontais, calça jeans limpa e os mesmos sapatos. Ele abriu a geladeira e tomando uma lata de cerveja abriu-a, beliscando o queijo também.

                Combinamos que iríamos ao sitio em dois carros. Num deles Marcelo e eu. No outro Neide, as crianças e Madalena.

                Chegamos ao Alvo à tardezinha. Havia muita gente reunida. Eram os parentes dos irmãos do Marcelo, empregados das empresas e o pessoal que morava no sítio.

                Uma churrasqueira enorme fumegava assando muita carne, linguiça e até milho verde. Um tambor – desses usados no transporte de petróleo – cortado ao meio, continha dezenas de garrafas e latas de cerveja envoltas por blocos de gelo e pó de serra.

                Crianças corriam entre os adultos acomodados em torno das mesas fartas. Depois de comer e beber muito saí para caminhar um pouco.

                Passei com calma, por uma porteira e prossegui lentamente, por uns dois minutos, sobre a vegetação densa.

                 Percebi que alguém vinha atrás de mim. Mas não me preocupei em saber quem seria. Mal podendo ver adiante, por causa das folhas altas, ouvi um ruído esquisito.

                Senti medo. Mas, pé ante pé, continuei avançando. De repente uma cabeça levantou-se dentre as folhas do capim crescido. Era um cavalo marrom que mastigava lentamente. Ao seu lado havia um pedaço de corda.

                Imediatamente pensei em laçá-lo e montar. Mas uma voz – daquela pessoa que caminhava atrás de mim – disse com força:

                - Não o faça correr porque pode ter um infarto. Faz muito tempo que está parado e pode morrer – disse Ubaldo o caseiro do sítio.

                Recuperado do susto que levei ao ouvir o vozeirão, enlacei o pescoço do animal, amarrei a corda em torno do focinho e montei.

                O bicho ainda mastigava quando começamos a caminhada lenta. Ele estava gordo e assoprava as narinas fazendo ruído.

                Quando apareci diante das pessoas montado no cavalo pude ouvir alguns comentários sobre a possibilidade do passamento do bicho.

                - Ele está muito gordo – gritou uma mulher com voz de quem havia bebido. Um zunzum levantou-se em favor do protesto.

                Não me importei com a falação e conduzi a cavalgadura para o meio do campo onde homens e crianças, formados em dois times distintos, jogavam futebol.

                Sob o alarido das reclamações eu cavalgava pelo campinho, correndo de uma trave a outra, até que alguém veio me explicar que o animal não suportaria tanta agitação.

                Apeado achei que me daria bem jogando futebol com a molecada. Propus-me a jogar num dos times, mas diante da rejeição peremptória, vi-me forçado a procurar o outro.

                O pessoal do segundo time, receoso, concordou que eu jogasse, mas só se ficasse no espaço entre o meio do campo e a nossa grande área. O ataque era reservado aos mais experientes.

                Todos jogavam de chuteiras e a maioria reagiu com indignação, quando entrei no campo calçando sapatos.

              Eu justificava minha posição alegando não poder jogar descalço enquanto todos usavam chuteiras.

                Estava tudo muito bom, corria tudo muito bem, até o momento em que eu, tentando interceptar o avanço do atacante adversário, atingi o seu joelho, com o peito do meu pé.

                Terminou ali, para mim, o jogo e a festa. Eu acabara de fraturar o pé direito.

 

 

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publicado às 01:54

Os Tempos Modernos na Educação

por Fernando Zocca, em 17.05.10

 

 

                             Desculpa de analfabeto é a visão deficiente. Já lhes contei que durante o curso primário eu era um dos que mais apanhava na sala de aulas.

                   Naquele tempo eu não sabia porque a professora descarregava  em mim as frustrações daquela sua ânsia  de alfabetizar a molecada.  

                   Eu me lembro que ao copiar errado uma frase escrita na lousa, recebi um croque tão forte no cocuruto que as lágrimas brotaram inesperadas dos meus olhos.

                   Depois do coque a professora disse em alto e bom som para que todos da classe ouvissem:

                   - Seu burro, vê se aprende pelo menos a escrever o seu nome!

                   Quando nós não recebíamos pancadas dadas com as mãos, suportávamos o espancamento feito com uma vara de bambu, daquelas que o vizinho usava pra pescar mandis e cascudos no rio Piracicaba.

                   Mas mesmo assim, apanhando muito, aprendemos a ler e a escrever. Por isso, salvo motivo de força maior, não tomamos os ônibus que conduzem aos lugares que não desejamos ir.

                   O analfabeto, além de botar a culpa na vista ruim,  justifica sua deficiência com a alegação de que tinha de trabalhar quando criança e por isso, não pôde estudar.

                   O ignorante pensa de forma diferente do instruído. Suas conclusões são diversas uma vez que fundadas em preceitos equivocados.

                   As pessoas que não têm leitura ou não conseguem escrever, não podem ter juízos críticos. Elas precisam seguir alguns balizadores para tomar as decisões.   E por isso mesmo tornam-se a alegria dos políticos enganadores que as manipulam ao bel prazer.

                   Sem os analfabetos o panorama político em muitas cidades mudaria radicalmente. Ou melhor,  com a maioria da população alfabetizada a permanência de alguns políticos, por uma vintena de anos no cargo eletivo não seria assim tão fácil.

                   É por isso que a muitos interessa a desorganização do ensino público no Brasil. A fórmula é fácil: quanto mais gente sem saber das coisas, melhor para os espertos que permanecem por muito mais tempo usufruindo as alegrias das maracutaias.

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publicado às 14:32