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Rasgando duplicatas e promissórias

por Fernando Zocca, em 21.06.13


Na sala de aulas lotada com alunos de sete anos.
Zezinho levanta o dedinho indicador, da mão direita, e pergunta para a professora, que escrevia na lousa, o texto que copiava de um livro.
Zezinho: Dona, existe o verbo miar?
Professora: (arregalando os olhos azuis, fitando-o por cima dos óculos) Imagina, menino. Quem mia é gato. Que arte é essa? Já pensou em conjugar o verbo miar?
Zezinho: É verdade que a vaca muge? 
Professora (irritada) É verdade. Mas a nossa aula de hoje não é sobre girolanda ou gatos e seus miados. Mas sim de matemática. Presta atenção.
Zezinho: (levantando-se e com o caderno na mão) Dona, quanto é 1 + 7 + 5 + 4?
Professora: (irritadíssima) Cala essa boca menino. Olha que eu mando esse apagador na sua cabeça. 
Zezinho: (sentando-se) E depois a senhora manda tirar um raio-x da minha moleira?
A professora desiste de falar com o menino. Ela volta-se e continua escrevendo a tabuada do 2 no quadro negro.
Zezinho: A senhora tem um fusca?
A mestra coça a cabeça; ajeita os cabelos brancos e os óculos sobre o nariz, mas não responde.
Zezinho: Meu pai comprou um fusca branco. Veio lá de Natal, no Rio Grande do Norte. A senhora já andou de fusca? Minha mãe disse que custou só R$ 1.990. A senhora acredita?
A professora nervosíssima, coloca o livro sobre a mesa, o giz no quadro negro e sai da sala. Quando volta vem acompanhada pelo inspetor. Todos os demais alunos iniciam uma conversa que se generaliza. Burburinho.
Professora: (apontando o Zezinho) É aquele ali.
Inspetor: Vem pra cá moleque. 
Zezinho levanta-se e, com bastante medo, caminha em direção ao funcionário.
Zezinho: (olhando, de baixo para cima, o rosto do homem) O senhor vai morder o meu pescoço que nem o morcego; que nem o Drácula?
Professora: (dirigindo-se ao inspetor) O que é que eu faço com este menino?
Inspetor: Deixa comigo.
O funcionário e o menino saem. Na sala da inspetoria o homem manda o garoto sentar-se na cadeira postada defronte a sua mesa.
Inspetor: O que é que está "pegando", garotinho?
Zezinho: E eu sei lá? É verdade que o Batman é um morcegão dentuço?
Inspetor: Você não para quieto. Vou falar pra sua mãe te levar pra médica. Conhece a Rita?
Zezinho: Que Rita?
Zelador: A Rita Linna. Conhece?
Zezinho: Não. Eu conheço o Billy Rubina e um amigo do meu pai que chama Silly Kone.
Inspetor: (irritado) Olha, vou chamar a sua mãe e pedir que ela, no mínimo, te leve a um psicólogo. 
Zezinho: Minha mãe já me levou, mas ele não quis mais me ver; disse que ficou muito atrapalhado comigo. O senhor é maestro?
Zelador: Que mané maestro, moleque?
Zezinho: Maestro é o que rege a orquestra. O regente. Já ouviu falar?
Inspetor: (carimbando as cadernetas dos alunos) Não tenho nada com maestros, regentes. Fique quietinho. Já vai dar o sinal do fim das aulas. Você já vai embora.
Zezinho: O senhor já andou de ônibus?
Zelador: É claro. 
Zezinho: Minha mãe falou que pegou um ônibus e tinha um morcêgo tipo Drácula lá dentro. O  senhor acredita?
Inspetor: Hã-hã. 
Zezinho: Então... Ela falou que a manicure, que estava com ela, disse que o morcego só andava de ônibus. E que o motorista bateu nele com uma vara de bambu. Sabe aquelas varas de pescar mandi?
Entra uma faxineira varrendo o chão. Passa a vassoura sobre os pés do menino, que se levanta rapidamente. A mulher vê uma moeda de R$1 no chão, abaixa-se, pega-a, certifica-se que os demais não notaram e a guarda no bolso.
Faxineira: (olhando para o forro) Ganhei do meu vizinho.
Zezinho: (apontando a mulher) Ela é uma bruxa? É verdade que o Jonas ficou três dias na barriga da baleia? O senhor conhece o Jonas? É verdade que o Jonas é um ladrão e que por isso fugiu e depois  disse pra mulher que a baleia tinha engolido ele?
A faxineira sai da sala. 
Zezinho: Minha mãe falou que o diretor da escola rasga notas promissórias e duplicatas.
Inspetor: Olha deu o tempo. Terminou. Por hoje chega. Vai. Volta para a tua classe, que já deve estar vazia, pega as tuas coisas e vai para casa.
O menino caminha em direção à porta mas para e volta.
Zezinho: Qual é a diferença entre 100, cem e sem? 
Inspetor: (muito irritado) E eu sei lá moleque?
A professora entra na sala.
Professora: (bem calma; passa a mão na cabeça do menino) E aí garotinho, melhorou? Toma tuas coisas.
Zezinho: (saindo) Melhorei. Meu tio Richard vem me buscar. Conhece o tio Richard?
Inspetor: (desolado e choroso) Minha Nossa Senhora. Que maldade eu fiz pra merecer este castigo?
Professora: Não é brinquedo não. Te cuida linguarudo.
Desce o pano.

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publicado às 12:39

A Infância e a Velhice

por Fernando Zocca, em 29.10.12

 

 

Eu já disse aqui, em algum lugar deste blog, que durante a vida há períodos em que não temos qualquer controle sobre os acontecimentos.

Um deles ocorre quando ainda somos crianças e estamos dependentes dos adultos, sejam eles nossos pais, parentes ou conhecidos.

Se tivermos alguma sorte sairemos da infância indo para a adolescência sem muitos traumas. Com menos sorte, podemos encontrar uma babá, daquelas malvadas que só se sintam bem depois de espancar a quem deveriam cuidar.

Já imaginou o sofrimento da criança, ainda na fase pré-verbal, que é deixada, por seus pais, sob os cuidados de uma doidivanas espancadora? 

Hum... Minha amiga, nem me fale.

Eu caminhava hoje de manhã, depois de um longo período de clausura, pelo Jardim Brasília, Santa Cecília e adjacências, quando me deparei com um velho conhecido que, ao me ver, foi logo dizendo depois dos salamaleques:

-         Rapaz, você viu como estão flagrando essas babás que agridem crianças?

-         Pois é. – respondi-lhe, impaciente para continuar o passeio. – Depois que inventaram essas câmeras filmadoras compactas, meu amigo...

-         Você não imagina do que eu me lembrei outro dia. – continuou o interceptador das caminhadas distrativas das pessoas quase estressadas. – Quando eu era moleque um tiozão, junto com o filho dele, me levou para um rancho de pescarias. Saimos cedo da casa deles e chegamos lá à tardezinha.  A casa há muito tempo fechada, tinha um odor horrível. Mas depois que abriram as portas e janelas tudo ficou melhor. Bom, a primeira coisa que o pai do meu amiguinho fez foi um café bem forte, que tomei até enjoar. Como não havia tempo para a pesca, porque já anoitecia, o homenzarrão abriu uma lata de sardinha e nos deu com alguns pedaços de pão. Quando caiu a noite braba, e o breu era assustador, ele nos levou até o terreiro, bem na frente da porta da cozinha, que dava para uma escada, que descia até a margem esquerda do rio. Bom... Naquele lugar havia um bambuzal e o homem grande e gordo, com um facão, desses de cortar cana, dando um golpe certeiro, no pé de uma vara, decepou-a do conjunto. Demonstrando muita habilidade, o pai do meu coleguinha, eliminou os galhinhos que brotavam do caule comprido e fino. Depois, chamando a atenção minha e do seu filho, firmou o bambu no chão, defronte seus pés que estavam separados. Logo em seguida ele agitou a vara com força, fazendo com que o movimento enérgico, em atrito com o ar, emitisse um zunido esquisito. Depois e alguns segundos de agitação houve o choque com alguma coisa que estava lá em cima e que caiu no solo. Quando fomos ver o que era, notamos que um morcego fora atingido pela vara agitada. Eu não sabia o que queria dizer o homem com aquele gesto. Talvez ele desejasse fazer alguma coisa pra nos entreter, passar o tempo. Entende? Bom... Quando chegou a hora de dormir o homem acendeu uma lamparina de carbureto. A chama emitia uma fumaça preta e bem tóxica. Então o homem disse: “Faça nele, filho.” Tendo o menino se negado a fazer qualquer coisa que não fosse deitar e dormir, fomos todos pra cama. No dia seguinte eles acordaram serelepes e faceiros enquanto que eu não havia pregado os olhos.

-         Foi o café que você tomou. Com certeza. – disse eu que ouvia atentamente a história, enquanto o sol nos torrava os miolos.

-         Pois é. – continuou o interceptador. – E eu já sabia falar. Podia contar tudo pros meus pais. Agora imagine essas crianças que não sabem falar. Não é verdade?

Depois de concordar plenamente com esse meu colega, desejando-nos boa sorte e tudo de bom, nos despedimos, pondo-nos em caminhada novamente.

A certa altura do trajeto e pensando eu em fazer o caminho de volta, lembrei-me do segundo período da vida em que não temos o total controle da situação: ele ocorre durante a velhice. Nessa fase, à semelhança do primeiro, os cuidadores de idosos poderão fazer com os velhinhos, o que as babás fazem hoje com as criancinhas.

28/10/12

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publicado às 18:21

Desprazeres

por Fernando Zocca, em 17.01.12

 

 

                 Já imaginou você caminhando tranquilamente pela calçada, durante uma noite e assim, de repente, ver um morcego parado bem ali, no chão, à sua frente?

       O que você faria? Certamente haveria quem se desviasse, quem pensasse em chutar o animal, e até mesmo quem pensasse em pisar nele.

       Mas é claro que não deixaria de haver aquela alma bondosa, disposta a acolher o bichinho, colocando-o a salvo, fora do caminho das pessoas que, em não o vendo, poderiam massacrá-lo.

       O pior aconteceria se você criasse um princípio de vínculo afetivo com o tal. Que frustração tamanha não ocorreria se, depois de recuperado, o mamífero batesse as asas e... bye-bye, tchau pra você?

       Esse tipo de desengano assemelha-se ao daqueles herdeiros que, esperando pela venda de um bem do espólio, sentem-se “roubados” pelo sucessor que se adianta ocupando o imóvel.

       Nos dois casos nega-se a satisfação de um anseio, por uma realidade adversa.

       Seria exagero afirmar que haveria certo desejo de vingança, daqueles que, julgando-se lesados por alguém, buscassem produzir no suposto lesador, os mesmos dissabores?

       Eu penso que não é exagero nenhum. Na minha opinião creio que quem faz isso deliberadamente, busca “dar uma lição”, naquele hipotético causador dos tais desprazeres.

       É a aplicação da reciprocidade, ou a brega lei do Talião: olho por olho, dente por dente.

 

Mudando de assunto:

Você já viu um quati?

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publicado às 20:04






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