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Resmungos madrugadores

por Fernando Zocca, em 12.09.15

 

 

Era na garagem que o titânico, carequíssimo, orgulhoso daquele seu bigodinho fino, se livrava do elmo da hipocrisia.

E de lá, disfarçadamente, observava a babá que, no colo, defronte a casa da patroa, no meio do quarteirão, carregava o neném.

E, já pela manhã, bem sujo de graxa, percebia ele que os resmungos madrugadores, dos neuróticos insones, eram tão importantes, bem necessários, quanto o ensinar os peixes a beberem água.

É claro que o tal não discordava da opinião geral vigente que solicitava muita surra o sujeito que, em processo de desasnamento, insistia nas provocações.

Exato, mas em meio a tantos automóveis e caminhonetes a receberem reparos, nos seus motores, partes elétricas, tinha também o mecânico barrigudo, a tênue noção de que aquela sua filha única careceria de acompanhamento psicológico.

Sim, meu amigo: a vida moderna, agitadíssima, não requeria somente a dedicação às artes plásticas. Haveria a necessidade da atenção de alguém mais experiente, mais escolado. Até a mãe da criança concordava com o projeto.

Além disso tudo, ele sabia, mas o que poderia fazer contra o hábito dos seus empregados mecânicos que, depois do almoço, adentrando, um depois do outro, no baú da caminhonete avariada, sempre presente, entregavam-se à felação exercida pelo ávido gordinho agitado?

Desacorçoado com aquele moleque burrinho, que permanecia inerte e ineficiente no almoxarifado sujo da oficina, o carecoso, sabia que nem a simulação de conversas ao telefone poria jeito na criatura.

Tinha o chefe da empresa a notícia de que o retardadinho, sentando-se frequentemente no sofá, com algumas moças direitas, não usufruía de nem ao menos dos mais ingênuos beijos na boca.

Que lástima. Talvez a vida de mecânico velho, já aposentado, fosse bem melhor.

 

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publicado às 14:24



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