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O carão intumescido

por Fernando Zocca, em 29.12.12

 

 

 

 

 





Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.

Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:

- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?

Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.

Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:

- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.

- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.

- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.

Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:

-         Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.

-         Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?

-         O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.

-         O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.

-         Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.

-         Como ele sarou? – quis saber a pinguça.

-         Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.

A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.

O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros. 

Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.

Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.

Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.


 

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publicado às 20:34

O carão intumescido

por Fernando Zocca, em 29.12.12

 

Van de Oliveira Grogue parou seu fusca branco defronte ao Bar do Maçarico e sem dizer qualquer palavra acomodou-se numa das mesas ao fundo.


Dina Mitt chegou logo em seguida, olhou ostensivamente para o fusca velho, parado longe da guia, e entrou no boteco pisando com o pé direito. Ao ver o colega macambuzio com o rosto inchado perguntou-lhe:


- Van, é verdade que você vai ter de retificar o cabeçote?


Para não responder com palavras de baixo calão, Van Grogue olhou pro Maçarico, e com um gesto pediu-lhe cerveja.


Dina Mitt sentou-se numa cadeira ao lado do colega perguntando-lhe em seguida:


 

- Por que a cidade está cheia de lixo? Já faz mais de trinta dias que não passa o caminhão pra recolher, e veja a situação da cidade. Ela apodrece.


- Isso é culpa do caquético testudo. Ele não foi reeleito e em represália, não renovou o contrato com a empresa terceirizada que recolhe o lixo.


- Estamos cercados por tanta sujeira. – observou Dina.


Maçarico que estava atento à conversa, ligando o rádio e aproveitando a deixa, entrou na roda:


-         Li ontem a notícia, no Diário de Tupinambicas, que o sucessor do caquético vai fazer uma pista nova no aeroclube.


-         Mas aquele sítio só tem aeromodelos. Como é que pode?


-         O quê? Aeromodelo? – Maçarico mostrou-se indignado. – Eu já vi muito Teco-Teco decolar e pousar no aeroporto. Não brinca não. Num domingo teve até bimotor voando por lá.


-         O caquético não estava com câncer? – indagou a Dina, mudando completamente de assunto.


-         Estava, mas sarou. Eu li a notícia no jornaleco da cidade.


-         Como ele sarou? – quis saber a pinguça.


-         Tomando chá de ipê roxo. – concluiu Maçarico.


A tarde transcorria dessa forma na pacata e distante Tupinambicas. O pouco movimento que se percebia nas ruas era creditado aos latifundiários, grandes proprietários de canaviais extensos, alimentadores das usinas de açúcar e álcool da região.


O comércio, bastante fraco, não suportava grandes empreendimentos. A prestação de serviços limitava-se a poucas oficinas mecânicas encarregadas da manutenção do maquinário dos usineiros.

 

Não havia motivos econômicos para que os grandes bancos se instalassem numa economia tão modesta. Tupinambicas das Linhas mirrava. Fenecia.


Mas no jornal e nas rádios o prefeito (comprometido com a ética) pavoneava-se contando loas.


Apesar de tudo muitos criam que Tupinambicas nunca deixaria de ser o eterno fim da linha que sempre foi.

 

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publicado às 18:41