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O zum-zum do botequim

por Fernando Zocca, em 17.06.14

 

 

Quem crê em astrologia pode crer também naquela espécie de vaticínio existente, em forma de notícias, nas capas dos grandes jornais.

No meu caso, cidadão nascido no dia 1º de setembro de 1951, ano seguinte ao fracasso da seleção brasileira - atribuído ao goleiro Barbosa, jogador do Botafogo do Rio de Janeiro - no Maracanã, as matérias de capa de O Globo, traziam algumas notícias relevantes para mim. 

Uma delas nos dá conta de que uma criança de colo, na Califórnia, Estados Unidos, diante da negativa da sua mãe em dar-lhe bombons, bateu com a cabeça no chão, matando-se. 

A segunda matéria nos informa que um jardineiro negro, e sua família, deixariam a cidade de Campinas SP, para residirem numa favela do Rio de Janeiro. 

Na tarde do dia 7 de abril de 1952, minha mãe, comigo no colo, defronte ao portão do Grupo Escolar Barão do Rio Branco, dáva-me de mamar usando a mamadeira.

Quem conheceu a região central de Piracicaba da década de 1950, sabe que na esquina das Ruas Governador Pedro de Toledo com a Ipiranga havia, além do Grupo Escolar, o bar do Japonês conhecido por Sasse, e um armazém de secos e molhados do Mário Moral.

Um irmão do meu pai, tio Bruno (Brunico), formado em contabilidade no Zanin, era alcoólatra, e não saia do bar do Sasse. 

Ele ia e vinha ao boteco várias vezes durante o dia. Vestindo um paletó surrado, sempre com um exemplar de jornal no bolso traseiro da calça, ele passava horas e horas seguidas sentado a uma daquelas mesas do botequim, diante de um copo de pinga e tagarelando muito.

Você sabe, meu amigo, que zum-zum de botequim pode ser contagiante.

Eu tinha sete meses de idade e, segundo a minha mãe (que Deus a tenha em bom lugar), a um movimento brusco meu desprendí-me dos seus braços caindo ao chão fraturando a clavícula.   

Já contei essa passagem num dos milhares de textos meus publicados na Internet durante estes anos todos; fui atendido na Santa Casa de Misericórdia.

Durante os meses seguintes, com o tórax engessado, fui submetido a massagens periódicas por um massagista conhecido por Peixe.

Bom, depois disso tudo, recuperei-me, tendo uma infância e adolescência praticamente normais, a não ser por problemas surgidos após vários anos, quando precisei de atenção hospitalar.

No hospital ocupei, provisoriamente, durante algum tempo, uma vaga destinada aos pacientes cujos tratamentos eram financiados pela prefeitura. 

Aí, meu astuto e inteligente leitor pode perguntar: mas o que tem a ver as notícias (a criança que bateu com a cabeça no chão e a família campineira que se mudaria para o Rio de Janeiro), publicadas em O Globo, no dia 1º de setembro de 1951, com a sua vida?

Eu diria que quando o ódio, o ressentimento, o rancor e a intolerância, suplantam os sentimentos de afeto, compaixão e solidariedade, todos os fatos relacionados com você podem ser usados de forma negativa, não para construir, mas para destruir. 

Considero valorosas as almas que conseguem transmutar as situações adversas em bendições.

Dentre as provações da vida, cabem aquelas em que recebendo as asperezas hostis, os méritos estariam em transformá-las em carinho e afeto.

Mas isso não é muito fácil. Depende do tempo e da maturidade.  

 

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publicado às 12:52



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