Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Arde a ardósia

por Fernando Zocca, em 20.08.14

 

 

O pessoal mais antigo, aquele que frequentava os Grupos Escolares lembra-se que os quadros negros ou lousas eram feitas de ardósia.

No primário eu tinha uma professora irritadinha que dava cascudos violentos nos moleques que tinham alguma dificuldade em absorver-lhes as lições.

Numa dessas ocasiões depois de vistoriar o meu caderno e observar que eu copiara erradamente algumas palavras ela deu-me um sonoro corretivo no alto do cocuruto dizendo na sequência:

- Seu burro!!! Aprenda pelo menos a escrever o seu próprio nome, se não você vai puxar carroça.

É claro que eu aprendi rapidinho a escrever o meu nome. Mas tinha garoto muito melhor preparado do que eu naquela sala. Um deles era o Paulo, filho de uma professora que eu achava super linda.

Numa manhã, quando a professorinha brava encheu a lousa com textos imensos o Paulo escreveu: “Arde a ardósia com tanta matéria fumegante”.

Não tinha mesmo talento o Paulo?

Hoje ele é médico. 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 14:29

Rasgando duplicatas e promissórias

por Fernando Zocca, em 21.06.13


Na sala de aulas lotada com alunos de sete anos.
Zezinho levanta o dedinho indicador, da mão direita, e pergunta para a professora, que escrevia na lousa, o texto que copiava de um livro.
Zezinho: Dona, existe o verbo miar?
Professora: (arregalando os olhos azuis, fitando-o por cima dos óculos) Imagina, menino. Quem mia é gato. Que arte é essa? Já pensou em conjugar o verbo miar?
Zezinho: É verdade que a vaca muge? 
Professora (irritada) É verdade. Mas a nossa aula de hoje não é sobre girolanda ou gatos e seus miados. Mas sim de matemática. Presta atenção.
Zezinho: (levantando-se e com o caderno na mão) Dona, quanto é 1 + 7 + 5 + 4?
Professora: (irritadíssima) Cala essa boca menino. Olha que eu mando esse apagador na sua cabeça. 
Zezinho: (sentando-se) E depois a senhora manda tirar um raio-x da minha moleira?
A professora desiste de falar com o menino. Ela volta-se e continua escrevendo a tabuada do 2 no quadro negro.
Zezinho: A senhora tem um fusca?
A mestra coça a cabeça; ajeita os cabelos brancos e os óculos sobre o nariz, mas não responde.
Zezinho: Meu pai comprou um fusca branco. Veio lá de Natal, no Rio Grande do Norte. A senhora já andou de fusca? Minha mãe disse que custou só R$ 1.990. A senhora acredita?
A professora nervosíssima, coloca o livro sobre a mesa, o giz no quadro negro e sai da sala. Quando volta vem acompanhada pelo inspetor. Todos os demais alunos iniciam uma conversa que se generaliza. Burburinho.
Professora: (apontando o Zezinho) É aquele ali.
Inspetor: Vem pra cá moleque. 
Zezinho levanta-se e, com bastante medo, caminha em direção ao funcionário.
Zezinho: (olhando, de baixo para cima, o rosto do homem) O senhor vai morder o meu pescoço que nem o morcego; que nem o Drácula?
Professora: (dirigindo-se ao inspetor) O que é que eu faço com este menino?
Inspetor: Deixa comigo.
O funcionário e o menino saem. Na sala da inspetoria o homem manda o garoto sentar-se na cadeira postada defronte a sua mesa.
Inspetor: O que é que está "pegando", garotinho?
Zezinho: E eu sei lá? É verdade que o Batman é um morcegão dentuço?
Inspetor: Você não para quieto. Vou falar pra sua mãe te levar pra médica. Conhece a Rita?
Zezinho: Que Rita?
Zelador: A Rita Linna. Conhece?
Zezinho: Não. Eu conheço o Billy Rubina e um amigo do meu pai que chama Silly Kone.
Inspetor: (irritado) Olha, vou chamar a sua mãe e pedir que ela, no mínimo, te leve a um psicólogo. 
Zezinho: Minha mãe já me levou, mas ele não quis mais me ver; disse que ficou muito atrapalhado comigo. O senhor é maestro?
Zelador: Que mané maestro, moleque?
Zezinho: Maestro é o que rege a orquestra. O regente. Já ouviu falar?
Inspetor: (carimbando as cadernetas dos alunos) Não tenho nada com maestros, regentes. Fique quietinho. Já vai dar o sinal do fim das aulas. Você já vai embora.
Zezinho: O senhor já andou de ônibus?
Zelador: É claro. 
Zezinho: Minha mãe falou que pegou um ônibus e tinha um morcêgo tipo Drácula lá dentro. O  senhor acredita?
Inspetor: Hã-hã. 
Zezinho: Então... Ela falou que a manicure, que estava com ela, disse que o morcego só andava de ônibus. E que o motorista bateu nele com uma vara de bambu. Sabe aquelas varas de pescar mandi?
Entra uma faxineira varrendo o chão. Passa a vassoura sobre os pés do menino, que se levanta rapidamente. A mulher vê uma moeda de R$1 no chão, abaixa-se, pega-a, certifica-se que os demais não notaram e a guarda no bolso.
Faxineira: (olhando para o forro) Ganhei do meu vizinho.
Zezinho: (apontando a mulher) Ela é uma bruxa? É verdade que o Jonas ficou três dias na barriga da baleia? O senhor conhece o Jonas? É verdade que o Jonas é um ladrão e que por isso fugiu e depois  disse pra mulher que a baleia tinha engolido ele?
A faxineira sai da sala. 
Zezinho: Minha mãe falou que o diretor da escola rasga notas promissórias e duplicatas.
Inspetor: Olha deu o tempo. Terminou. Por hoje chega. Vai. Volta para a tua classe, que já deve estar vazia, pega as tuas coisas e vai para casa.
O menino caminha em direção à porta mas para e volta.
Zezinho: Qual é a diferença entre 100, cem e sem? 
Inspetor: (muito irritado) E eu sei lá moleque?
A professora entra na sala.
Professora: (bem calma; passa a mão na cabeça do menino) E aí garotinho, melhorou? Toma tuas coisas.
Zezinho: (saindo) Melhorei. Meu tio Richard vem me buscar. Conhece o tio Richard?
Inspetor: (desolado e choroso) Minha Nossa Senhora. Que maldade eu fiz pra merecer este castigo?
Professora: Não é brinquedo não. Te cuida linguarudo.
Desce o pano.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 12:39