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A Infância e a Velhice

por Fernando Zocca, em 29.10.12

 

 

Eu já disse aqui, em algum lugar deste blog, que durante a vida há períodos em que não temos qualquer controle sobre os acontecimentos.

Um deles ocorre quando ainda somos crianças e estamos dependentes dos adultos, sejam eles nossos pais, parentes ou conhecidos.

Se tivermos alguma sorte sairemos da infância indo para a adolescência sem muitos traumas. Com menos sorte, podemos encontrar uma babá, daquelas malvadas que só se sintam bem depois de espancar a quem deveriam cuidar.

Já imaginou o sofrimento da criança, ainda na fase pré-verbal, que é deixada, por seus pais, sob os cuidados de uma doidivanas espancadora? 

Hum... Minha amiga, nem me fale.

Eu caminhava hoje de manhã, depois de um longo período de clausura, pelo Jardim Brasília, Santa Cecília e adjacências, quando me deparei com um velho conhecido que, ao me ver, foi logo dizendo depois dos salamaleques:

-         Rapaz, você viu como estão flagrando essas babás que agridem crianças?

-         Pois é. – respondi-lhe, impaciente para continuar o passeio. – Depois que inventaram essas câmeras filmadoras compactas, meu amigo...

-         Você não imagina do que eu me lembrei outro dia. – continuou o interceptador das caminhadas distrativas das pessoas quase estressadas. – Quando eu era moleque um tiozão, junto com o filho dele, me levou para um rancho de pescarias. Saimos cedo da casa deles e chegamos lá à tardezinha.  A casa há muito tempo fechada, tinha um odor horrível. Mas depois que abriram as portas e janelas tudo ficou melhor. Bom, a primeira coisa que o pai do meu amiguinho fez foi um café bem forte, que tomei até enjoar. Como não havia tempo para a pesca, porque já anoitecia, o homenzarrão abriu uma lata de sardinha e nos deu com alguns pedaços de pão. Quando caiu a noite braba, e o breu era assustador, ele nos levou até o terreiro, bem na frente da porta da cozinha, que dava para uma escada, que descia até a margem esquerda do rio. Bom... Naquele lugar havia um bambuzal e o homem grande e gordo, com um facão, desses de cortar cana, dando um golpe certeiro, no pé de uma vara, decepou-a do conjunto. Demonstrando muita habilidade, o pai do meu coleguinha, eliminou os galhinhos que brotavam do caule comprido e fino. Depois, chamando a atenção minha e do seu filho, firmou o bambu no chão, defronte seus pés que estavam separados. Logo em seguida ele agitou a vara com força, fazendo com que o movimento enérgico, em atrito com o ar, emitisse um zunido esquisito. Depois e alguns segundos de agitação houve o choque com alguma coisa que estava lá em cima e que caiu no solo. Quando fomos ver o que era, notamos que um morcego fora atingido pela vara agitada. Eu não sabia o que queria dizer o homem com aquele gesto. Talvez ele desejasse fazer alguma coisa pra nos entreter, passar o tempo. Entende? Bom... Quando chegou a hora de dormir o homem acendeu uma lamparina de carbureto. A chama emitia uma fumaça preta e bem tóxica. Então o homem disse: “Faça nele, filho.” Tendo o menino se negado a fazer qualquer coisa que não fosse deitar e dormir, fomos todos pra cama. No dia seguinte eles acordaram serelepes e faceiros enquanto que eu não havia pregado os olhos.

-         Foi o café que você tomou. Com certeza. – disse eu que ouvia atentamente a história, enquanto o sol nos torrava os miolos.

-         Pois é. – continuou o interceptador. – E eu já sabia falar. Podia contar tudo pros meus pais. Agora imagine essas crianças que não sabem falar. Não é verdade?

Depois de concordar plenamente com esse meu colega, desejando-nos boa sorte e tudo de bom, nos despedimos, pondo-nos em caminhada novamente.

A certa altura do trajeto e pensando eu em fazer o caminho de volta, lembrei-me do segundo período da vida em que não temos o total controle da situação: ele ocorre durante a velhice. Nessa fase, à semelhança do primeiro, os cuidadores de idosos poderão fazer com os velhinhos, o que as babás fazem hoje com as criancinhas.

28/10/12

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publicado às 18:21

 

                     Mas falando ainda dos tempos em que predominavam a falta de compromisso e a relativa responsabilidade, as horas de alienação eram vividas também no balcão da lanchonete Daytona, que ficava na esquina das ruas Moraes Barros e Boa Morte.

                    O que destacava o ambiente era a decoração feita com uma réplica de carro de corrida tipo Fórmula 1, vermelho, fixado no alto, na parede dos fundos.

                    Os mais bêbados chegavam logo depois das 8 da noite para beber muita cerveja, stanheguer e, de vez em quando, comer batatas fritas.

                    De lá, muitas vezes, só saiam após a meia noite, completamente nocauteados nos assentos traseiros dos carros, sob as vibrações do rádio em alto volume.

                    O DJ da moda era o Big Boy, da Rádio Mundial AM 860 KHz (Rio de Janeiro), que iniciava suas apresentações com o clássico “Hello Crazy People!!!”

                    Em Piracicaba, Atinilo José comandava o programa Varandão da Casa Verde, na Rádio Difusora, onde também trabalharam meus primos Roque De Lello e Arthêmio De Lello.

                    Para quem não sabe, Roque e Arthêmio eram filhos de Olanda e João De Lello, irmã e cunhado do meu pai; ambos foram preteridos numa questão de herança.

                    Aos desavisados como eu, era então surpreendente, mas muito surpreendente mesmo, ouvir no rádio, as músicas que se referiam ao que fazíamos em alguns momentos.

                    Assim, por exemplo, quando criança, depois que eu e alguns colegas chegávamos de um passeio pelo matagal, existente no final da Rua Ipiranga, era bem esquisito escutar “O que você foi fazer no mato Maria Chiquinha?”.

                    E no ônibus, a caminho do Ginásio Jerônimo Gallo, era desconfortável sentir que aquelas músicas e notícias, emanantes do rádio portátil do motorista, postado entre o para-brisa e o painel, tinham algo a ver conosco.

                    As questões mal resolvidas de herança começaram logo depois do falecimento do meu avô José Carlos Zocca, em 1943.

                    Mas nem tudo era sofrimento. Uma das gratas recordações que trago da infância é a de quando tomei a minha primeira limonada.

                    Isso aconteceu na casa da vizinha da minha avó Amábile Pessotto Zocca. O menino Paulo Zaia era um daqueles que brincavam conosco nas ruas. E um dia, quando chegamos suados à sua casa, a mãe dele, dona Lídia Zaia, tirando da geladeira uma vasilha com água, fez uma inigualável e inesquecível limonada.

                    Dona Lídia deve hoje estar com quase cem anos.


 

 

Veja no vídeo abaixo uma homenagem ao DJ Big Boy.

Homenagem a Newton Alvarenga Duarte, o eterno Big Boy DJ, que mandou ver nas pistas dos bailes durante a primeira metade da década de 70. Introduziu um jeito irreverente de mostrar sua competência nas ondas da rádio Mundial AM 860 quando as FM's ainda engatinhavam.

 
"Ritmos de boate", "Cavern Club" foram alguns dos programas comandados pelo DJ criador do lendário "Baile da pesada", falecido em 1977.

 

 

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publicado às 18:54